quinta-feira, 21 de junho de 2012

"Um sonho sonhado sozinho é um sonho. Um sonho sonhado junto é realidade."







"Façamos da interrupção um caminho novo.
 da queda um passo de dança,
 do medo uma escada, 
do sonho uma ponte, 
da procura um encontro!"


Encostei a porta da sala 402, trancando-a logo em seguida. A monitoria de física, pela qual eu era responsável no último quase um ano havia acabado mais cedo. Eu trazia as pastas de presença dos alunos em mãos, ainda precisava passar pela sala da senhora Vaughn e entregar a ela, para depois, finalmente após o longo dia ir para meu quarto descansar. Desci os dois lances de escada até o primeiro andar, onde ficava a sala. Os corredores pareciam relativamente vazios, e eu imaginei que com o gelo que aquele inverno andava a maioria dos alunos estavam abrigados na sala de convivência ou no refeitório a espera de um chocolate quente. Assim que meus passos se fizeram pelo corredor do primeiro andar, uma visão, ao fundo do corredor, me fez parar. Uma moça, que não aparentava mais que vinte e poucos anos, adentrava a sala. Estava toda bem vestida, elegante no terninho, e em mãos trazia uma pasta, que eu supus, pelo lugar em que ela estava adentrando, pela forma que estava vestida e pela pasta que ela levava um currículo. Meus olhos podiam me enganar, porque eram traiçoeiros, e às vezes eu achava que queria era logo que eu enlouquecesse, mas se não fosse pelos traços mais maduros, e a minha certeza de que minha Paulie nunca envelheceria, eu diria que era a minha Paulie concorrendo a vaga de professora. 


Eu precisava olhar mais de perto. Precisava ver aquilo com meus próprios olhos...talvez o cabelo estivesse um pouco mais claro, mas aquela moça era a Paulie daqui alguns anos...se fosse humana. Disfarçadamente, segui pelo corredor como de fato fosse cumprir a missão que eu realmente iria fazer, levar a lista de presença.Parei pouco antes da porta que estava trancada e tinha o nome da senhor Vaughn logo na frente. Respirei fundo. Eu estava pronta para ver alguém tão parecido com Paulie? Eu estava pronta para ter uma professora assim? Fechei os olhos, desejando que os últimos anos tivessem sido só um sonho, e que eu acordasse a qualquer instante para receber o abraço da minha namorada...era tudo o que eu precisava. Abri os olhos talvez quase um minuto depois. Eu ainda estava no corredor, e na porta da senhora Vaughn, e apesar de eu ter tentado, confesso, eu não conseguia escutar nada sobre o que elas falavam. Bati delicadamente na porta, tentando agir naturalmente, enquanto meu coração saltava incansavelmente em meu peito.


"Senhorita Campbell?!" A senhora Vaughn pareceu surpresa ao me ver, mas logo pareceu se lembrar de que as quinta-feiras eu levava a lista de presença da monitoria de física. "Suponho que tenha trazido a lista?" Concordei com a cabeça, espichando meus olhos, discretamente para trás das costas da diretora. A moça parecia ainda imóvel, de costas para a porta, tudo que eu conseguia ver eram suas madeixas loiras. "Entre...senhorita Campbell." Engoli em seco quando a diretora me deu espaço para entrar, e respirei fundo, ainda tentando ter controle de mim. "Senhorita Walker..." Agora a diretora se acomodava atrás de sua mesa, se dirigindo a futura professora, eu ainda estava parada no meio da sala, meio sem saber como agir. "...está é Elizabeth Campbell...monitora, e  uma de nossas melhores alunas.." Ela indicou para mim, e no mesmo instante a senhorita Walker me olhou, e eu gelei, achei que ia cair dura ali mesmo. " Elizabeth, está é a nossa futura professora de esgrima, senhorita Annie Walker."


Engoli em seco, não sabendo se conseguiria ou não falar. Tentei uma ou duas vezes abrir a boca e dizer algo, mas era como se minha boca tivesse secado, minhas mãos trêmulas, eu tive que esconder no sobretudo do uniforme, de perto a semelhança era ainda maior. Era uma ilusão...só podia ser. " B-B-B- Boa noite professora Walker" Disse com dificuldade. 


"Olá Elizabeth..." Ela retribuiu com um sorriso simpático, ....um sorriso perfeito em diria. 


"Senhorita Campbell..." A diretora Vaughn interrompeu a viagem que eu fazia pela minha mente enquanto ainda encarava abobada a professora. "...poderia acompanhar a professora até o dormitório dos professores?...ela ainda não conhece o caminho..."


Despertei de tudo não sei quando tempo depois, mas as duas me encaravam, esperando a resposta. Concordei rapidamente com a cabeça. "Claro, claro, senhora Vaughn!"


"Ótimo, vejo as duas amanhã então!" A diretora concordou, e nos despedimos dela. Seguindo o caminho para o estacionamento, onde a professora me pedira para ajudar com as malas, e lógico que eu concordara, porque só de poder estar perto daquele rosto tão semelhante, tão igual ao de Paulie...que eu pedira inúmeras vezes para ver só mais uma vez, era quase uma benção. 




Annie tirou as chaves do bolso, destrancando o carro. "Você me ajuda com as coisas do banco da frente?" Ela perguntou, e eu concordei mais uma vez com a cabeça, porque não conseguia falar mais muita coisa. Fui logo para o banco da frente, vasculhando ambos os bancos, mas não havia nada.


"Er...professora..." Tirei minha cabeça de dentro do carro, ela já segurava duas malas, que imaginei estarem no porta-malas. "Não tem nada aqui..."


Ela sorriu, como se já esperava que eu perguntasse isso. "Olhe no porta-luvas, Lizzie!" Ela disse, e eu ia me virando para olhar novamente onde ela indicara, quando no meio do caminho percebi o apelido que ela usara...o apelido que há tanto tempo eu não escutava, já que não tinha nenhum amigo naquele colégio a ponto de me chamarem pelo apelido. A olhei, estagnada, mas ela incentivou com a cabeça, para que eu olhasse o porta-luvas, e como se tivesse certeza que no momento ela nada diria, assim eu fiz, fui buscar o que havia no porta-luvas. Peguei a única caixa que encontrei. Não era muito grande, e era marrom, trazendo a imagem de alguns chocolates na capa. 


"É isso?" Andei até ela, esticando a caixa, e a professora concordou, com um sorriso levado que me lembrou ainda mais Paulie. Quis chorar, quis cair em lágrimas e pedir para ela me deixar abraçá-la só por um instante, só para que eu lembrasse de como era estar com P., mas antes que eu pudesse dizer ou pedir algo assim, ela começou a falar.


"É isso mesmo...trouxe chocolate para a minha menina!" A caixa que estava em minha mão caiu no chão, espalhando por ele todos os chocolates, mas não me importei com isso, continuei encarando-a, como se entendesse e ao mesmo tempo não entendesse nada. As lágrimas rolaram por meu rosto sem que eu pudesse se quer notar a tempo. Então Annie se desfez das malas, deixando-as no chão, próximas ao carro, e se aproximou, me abraçando tão forte, de maneira tão acolhedora, que me fez chorar ainda mais, a ponto de querer fechar os olhos para tentar parecer menos idiota. Enxugou minhas lágrimas, e quando voltei a abrir os olhos, não estávamos mais no estacionamento, e sim em algum lugar da floresta. Não me soltei do abraço, queria continuar ali, apenas levantei os olhos, encarando as feições conhecidas, e como se soubesse que precisava falar, ela voltou a falar. "Como eu senti sua falta, minha garota!" 


"P-Paulie?" Perguntei em uma voz chorona, e ela concordou com a cabeça, beijando minha testa. Não fazia sentido, não fazia sentido ela mais velha que eu, mas naquele momento eu não quis me preocupar, Deus havia me dado mais uma oportunidade de encontrá-la e eu não estragaria com perguntas. "Eu pedi pra ter você comigo todos os dias desde que voltei..." Confessei a ela, baixinho, e vi um sorriso nascer pelos lábios dela, aquele sorriso lindo que fazia com que eu me derretesse só de olhar. Ela desceu as pontas dos dedos por meu rosto, de uma forma carinhosa, como se quisesse relembrar. E eu, levei a mão ao rosto dela, tocando-a para ver se era de verdade, se realmente estava ali. A vi se aproximar para me beijar, e no instante sorri, fechando os olhos, e aguardando ansiosamente para o encaixe de nosso beijo. E quando senti os lábios dela tão próximos aos meus, a ponto de quase se tocarem a penumbra da floresta foi trocada pela do meu quarto.


Acordei, assustada, por de repente perceber que estava  no meu quarto, e que pelo jeito eu estivera ali o tempo todo. Olhei ao redor, como se na esperança de ver Paulie ainda ali. Me sentei na cama, secando meus olhos, como se realmente igual ao sonho eu tivesse chorado, mas logo vieram mais lágrimas. Não era real, a realidade era tudo aquilo que eu queria que fosse pesadelo e que um dia acabasse. Suspirei em meio ao choro silencioso, enquanto olhei na direção da janela, ainda não parecia estar perto do amanhecer. Olhei para o outro lado do quarto, e vi Jenny, ali, em meio ao monte de cobertor, por conta do frio, que dormia tranquilamente. Abaixei a cabeça, vasculhando meu travesseiro em busca de meu diário. Como se toda aquela história sobre ela vir do futuro, tivesse bagunçado com minha mente também, comecei a escrever, pra poder reviver a pequena esperança que tive quando sentir falta dela...o que digamos, acontece com frequência.

Nenhum comentário:

Postar um comentário