terça-feira, 26 de junho de 2012

“Eu sou toda errada, mas dá certo.”




Eu gosto do vento, ele me soa um tanto misterioso, quando entra pelas frestas de portas e janelas parece cantar, é acolhedor, me abraça com seus cantos uivantes, me faz sonhar, quando vem em dias de primavera me da a sensação de liberdade como se eu fosse um pássaro a voar, ele me encanta.


Eu não voltara só a andar pelo colégio. Eu estava andando com ela pelo colégio. Alguns olhares eu podia notar vinham em nossa direção, mas fosse por mim ou por Paulie, eu não me incomodava. Era como se meu mundo tivesse voltado ao eixo novamente. Eu estava em paz.

"Está com frio?!" Ela quebrou o silencio se instalado entre nós quando saímos  do prédio em direção ao campus. Eu a deixava me levar, como sempre fiz. Não me importando com o fato de para onde estávamos indo.

Neguei com a cabeça, eu só queria aproveitar o instante, ali de mãos dadas, mas achei por bem responde. "Não, obrigada...eu estou bem..." Sorri, um sorriso radiante, e ainda emocionado, era como se não fosse real, mas de maneira alguma eu queria questionar o real ou irreal. O sorriso foi sumindo por um breve instante, a maneira que a dúvida crescia em minha mente. Uma dúvida recente, mas que eu não conseguiria deixar passar. "Paulie..." Comecei, mas parei.

P. desviou os olhos para mim, no aguardo do que eu tinha começado a falar. Percebia que ela me levava para longe das pessoas, íamos em direção a quadra onde costumavam acontecer os treinos de educação física, suspensos pela grande nevasca das últimas semanas. "Oi querida?" Ela perguntou, vendo  que se não houvesse um incentivo, eu provavelmente não falaria. Ela me conhecia melhor do que ninguém nesse mundo.

Suspirei, por ser difícil de falar, e sim de escutar. Temia o que poderia vir. Temia que aquilo tudo fosse por conta da condição que haviam me estabelecido, e não pelo que eu acreditava. " Você voltou pelo mesmo motivo que as outras pessoas me olham?" Mordi meu lábio inferior, não havia conseguido desviar meus olhos dos dela. Eu nunca conseguia. Baixei ainda  mais o tom de voz. "...digo...por pena?" Engoli em seco, desta vez abaixando a cabeça.

"Ficou louca, Lizzie?!" Estas primeiras palavras vieram como um baque, como um tapa no rosto,e  eu levantei a cabeça, era a palavra que mais eu escutava ultimamente, ....mas vindo dela era tão mais pesado, tão mas difícil de se escutar. "Claro que não!" Não duvidei do que ela dizia, se ela dizia me bastava. Sempre houve algo em sua voz que não me deixava questionar. Ela indicou para a arquibancada, e entendi que provavelmente sentaríamos ali para conversar. Assim o fiz, e logo ela se acomodou ao meu lado. "Não vou negar que a senhora Vaughn me chamou,...disse que você não estava muito legal,...e logo eu perguntei se podia vir ver você!" Paulie me explicava.

Senti vergonha por um instante por ter duvidado, por ter perguntando. "Eu só perguntei porque..." Fiz uma pequena pausa, suspirando. "porque ultimamente todos parecem sentir pena, como se eu estivesse  na rua da amargura ou algo assim...até da aula me liberaram outro dia..." Fiz uma careta, não achava a atitude certa. Mas preferi mudar de assunto, não queria contar como estavam sendo meus dias ali sem ela. "Eu fiquei feliz por ter vindo.." Sorri de canto, meio sem graça. "...tão feliz que foi difícil de acreditar!" Cocei minha nuca.

Ela me abraçou, de novo me fazendo ter a certeza, que sempre existiu em minha mente, de que eu pertencia a aquele abraço. Distribuiu alguns beijinhos por minha bochecha, instantaneamente me fazendo rir, um riso de alegria, felicidade. " Eu também estou feliz por estar aqui...e você está linda...muito linda!"

Fiquei mais sem graça, parecia que ela sabia como me encabular, mas abri um sorriso, mesmo afirmando. " Eu estou igual!" Retruquei, rindo e fazendo uma careta para ela. Encostei minha testa na lateral do rosto de Paulie, e sussurrei baixinho. " Você quem ficou linda assim..." Logo beijei o rosto dela, mais ou menos na altura do maxilar, de uma forma demorada, como se não quisesse me afastar do rosto dela, ali eu a tinha, tinha o cheiro dela, tinha segurança, tinha paz.

"Escuta...promete que não vai pensar que eu não existo? Que sou só uma ilusão?...ficarei um tempo aqui com você, até se formar..."

Imediatamente concordei com a cabeça. "Eu acredito. Sempre acreditei..." Fiz uma pausa, para então falar do que eu ainda não sabia se estava preparada para falar. "...mesmo quando não era você....sabe...mesmo quando era em sonhos, eu a seguia, ia atrás...porque pra mim era você, e mesmo que depois acabasse comigo acordando, eu teria estado perto de você por aquele momento, por aquele sonho..." Percebi meus olhos se encherem de água, mas engoli o choro, não choraria agora. Eu estava feliz, estava bem, e estava com Paulie, queria que ela tivesse o melhor de mim, me visse no meu melhor, e me esforçaria para isso. Abri um sorriso, e prometi a ela. "...prometo que tentarei ignorar tudo que minha cabeça tem me feito pensar...ou ouvir...ou imaginar..." Garanti, certa de que me esforçaria.

Ela sorriu, eu sorri. Daquela forma cúmplice, daquela forma nossa.

Quebrei o silencio pouco depois, por um instante quase me esquecendo que ainda tinha a missão de ajudar Jenny. "Aliás...existe uma pessoa que eu quero que você conheça..."

"Uma pessoa?" Ela me olhou, provavelmente perguntando se eu falava sério, porque eu não era o tipo de pessoa que se dava bem com pessoas. Concordei com a cabeça, e Paulie voltou a indagar. "Quem você quer que eu conheça?"

Concordei mais uma vez com a cabeça, desta vez mais empolgada e cheia de sorrisos. Não queria estragar a surpresa, por isso mantive-a sem a resposta direta. Olhei ao arredor para ver se estávamos realmente sozinhas ali. "Aliás...precisamos passar no refeitório para buscar comida a ela...eu não apareço por lá desde o café da manhã..." 

"Comida?" Paulie pareceu interessada e curiosa no que eu contava. E eu me perguntava se ela já havia deduzido qual era a surpresa.

Verifiquei mais uma vez se não tínhamos testemunhas. "Sim, sim....ela não sai do quarto, sabe....está...escondida lá." Sussurrei ainda mais baixo, achando que era mais seguro.

Paulie sussurra de volta, percebendo que era segredo. "E quem é ela Lizzie?!"

Eu ainda não queria contar, queria que ela visse com os próprios olhos. Logo me coloquei de pé, esticando a mão na direção de P. " Vem...vamos! Vou te mostrar ela...e...eu a mantive em segurança todo esse tempo. Disse que ela poderia se meter em mais encrencas com você se continuasse aprontando..." Contei toda orgulhosa, e logo Paulie estava em pé ao meu lado, e se eu não a conhecesse, diria que ela parecia brevemente confusa. Não a culpo, eu também fiquei quando Jenny tentou me explicar toda a história de futuro e viagem...e tudo aquilo.

"Obrigada, Lizzie!" Ela me agradeceu, enquanto andávamos em direção ao dormitório, me fazendo sorrir de orgulho por ter mantido a filha dela em segurança.

Assim que chegamos no dormitório, como de costume verifiquei ambos os lados, para ver se estávamos sozinhas. Sussurrei para Paulie. "Em geral ela está escondida no lavabo quando eu entro...tem medo que seja outra pessoa." P. assentiu com a cabeça, e ainda que parecesse meio distante, se comparado a antes, eu continuei, provavelmente era toda a emoção de estar revendo a filha de novo. Fui entrando o quarto, chamando por Jenny. "Eii, Jenny, Jenny, venha cá...eu tenho uma surpresa para você..." A chamei, e logo a menina loira da franjinha no rosto surgiu do lavabo. Chamei Paulie com uma das minhas mãos. "Pode vir,...ela já está aqui!" Abri um sorrisão, imaginando toda a emoção que surgiria dali. "Eu trouxe sua mãe..." Expliquei para Jenny, que sorriu radiante no mesmo instante. Fiz sinal para que ela esperasse, pois P. ainda parecia meio estática a porta. A chamei novamente. "Vem, amor, ela está aqui...e está bem!" Assegurei. E nesse instante vi os olhos de Paulie se tornarem inundados em lágrimas, e tive a certeza de que havia feito uma boa coisa insistindo para que Jenny ficasse ali sob meus cuidados.

Fui para o lado de Jenny, que aguardava os passos receosos da mãe adentrarem em direção. "Eu não disse que ela viria? Eu não disse que Paulie estaria aqui...que viria te socorrer!" Falei para Jenny, toda feliz por ter conseguido cumprir a promessa, que era levar Paulie até lá. Olhei então para P. "Ela chorava todas as noites, dizendo que estava perdida no tempo...e que só você..." Parei por um instante, porque aquilo me parecia bastante maluco, mas se Jenny dizia que você tinha o poder eu não duvidaria. "...podia viajar no tempo!"

Paulie não havia se aproximado, não havia corrido  na direção da filha, nem a abraçado. Ela só olhava para mim, ainda cheia de lágrimas, e então para onde Jenny estava. Fiquei confusa por um instante. " Lizzie, querida, vamos falar com a Kim?" Foi então a primeira coisa que ela disse desde que havíamos chegado.

"Como a Kim?" Repeti, meio confusa, fazendo uma careta, me bastava as vezes que eu era chamada lá. "Paulie...você não vai abraçar Jenny?...todos esses dias tive que acalmá-la, dizendo que você a perdoaria....ela está arrependida do que fez...está realmente arrependida." Assegurava por ter visto Jenny chorar todos estes dias na espera pela mãe.

Paulie continuava a encarar o lugar onde eu insistia que Jenny estava. "Arrependida?" Ela repetiu, com dificuldade, parecia que o choro estava quase dominando-a. "Lizzie, querida, eu realmente tive um filho...mas ele tem dois anos...e se chama Luca...Não tenho nenhuma filha chamada Jenny...Como é a Jenny?!"

Olhei para o lado, olhando Jenny, que enchia os olhos de lágrimas também. Paulie não podia renegá-la, assim, na minha frente, na frente dela. "Você não a vê?!" Engoli em seco ao perguntar, com medo da resposta, todos me diziam que ela não existia, mas eu sempre acreditei que ninguém nunca a via porque eu a escondia muito bem ali no quarto. "Jenny...Jenny...é..." Tentava dizer com a voz trêmula. " ela tem quatorze anos....mas ela só nasce no ano que vem...ela tem cabelo loiro, comprido, assim, da cor do seu...tem uma franjinha que insiste em cair nos olhos, e ela insiste em me dizer que não incomoda, apesar de eu falar que um dia ela ainda fica vesga com isso..." Ia contando o jeito e as manias de Jenny, conforme as lágrimas iam rolando por meu rosto, sem barulho nenhum de choro, ainda que fossem lágrimas de desespero. Jenny existia! Jenny estava ali comigo...esteve junto...foi quem me dera força a não me deixar ceder as minhas fraquezas, era quem me trazia de para o pouquinho perto que eu podia estar de você.

Paulie estendeu a mão para mim, e aceitei, quase em seguida ela me levou para perto, me acolhendo em seu corpo. Ela chorava, chorava de uma forma que eu nunca a tinha visto chorar, e me senti culpada por cada lágrima. Chorei quietinha, em silencio, aquele choro dolorido de quem não quer incomodar, por não entender o que estava acontecendo ali. Escuto baixinho, de repente, então Paulie sussurrar. "Deixa ela ir, Lizzie?...você a projetou, Li,...para querer ficar mais próxima de mim!"  Aquilo esmagou meu coração, tirou minha consciência. Jenny existia, e eu tinha que salvá-la, Paulie precisava levar ela para casa, só assim ela estaria bem, segura, feliz...

"Não a deixe sozinha, P.!" Pedi, com a voz de choro. "Ela só tem quatorze anos...apesar de achar que é toda mais velha, ...ela é só uma menina..." Entre alguns soluços, tentava explicar a ela. "Ela teve sorte de vir parar aqui...teve sorte de vir parar aqui em um lugar onde alguém conhecia a mãe dela...mas ela não pode ficar perdida no tempo...como vamos saber onde ela vai parar?" Insistia, naquele desespero de provar a ela que não podia abandonar Jenny, por mais que ela fosse toda rebelde, ela ainda precisava de uma mãe.

"Eu..." Ela voltou a falar. "...prometo levá-la para casa, está bem, amor?!" Concordei com a cabeça, e ela me abraçou mais juntinho.

"Obrigada Paulie..."

"Shhhh" Ela pediu. "Fica só aqui quietinha comigo, Lizz, apenas fica comigo, está bem?!" Ainda me abraçando, ela foi se sentando no chão, me levando junto. E em meio ao abraço seguro e os carinhos dela, algum momento depois eu cedi ao cansaço, pegando no sono.


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