segunda-feira, 25 de junho de 2012

“O segredo é não deixar de acreditar.”

É triste saber que falta alguma coisa
 e saber que não dá pra comprar, 
substituir, esquecer, implorar. 
Mas amor, você sabe, amor não se pede.

Mas e quando você deixa de acreditar?! Continuei deitada em minha cama, naquele mormaço sem fim. Era só mais uma manhã de domingo. Mais uma inútil manhã de domingo. Continuei a repetir aquilo para mim. Jenny ainda dormia, e apesar de eu não sentir a mínima vontade de sair daquele mundo que havia se tornado meu quarto, porque lá não existia Lizzie louca, pirada, ou sem parafusos. Lá existia Lizzie, e existia Jenny, que acreditava em mim. Eu sabia que minuto a  mais, minuto a menos eu teria que sair dali, ir para o refeitório, buscar alguma coisa para o café da manhã de Jenny, para depois me sentir sem culpa por passar o resto do dia enfiada embaixo de minhas cobertas, sem pretensão de ser incomodada por nenhuma voz ou sonho maluco. Eu não era maluca...eu costumava ter controle das coisas...o que foi acontecer comigo?! Lamentei mais uma vez, decidindo que levantaria dali de uma vez por todos, buscaria o maldito café e seguiria meus planos para que me restava de final de semana.

Levantei, vestindo os chinelos que ficavam ao lado de minha cama, e vasculhei uma das gavetas, em busca dos uniformes. "A quer saber? fodam-se os uniformes!" Resmunguei pra mim mesma, fechando a gaveta com força, e logo na sequência me arrependendo, porque eu não queria acordar Jenny, muito menos ter que explicar a ela o porque da minha ira dos últimos dias. Olhei para trás só me certificando de que ela continuava a dormir. Suspirei aliviada, ao constatar que sim. Abri a terceira gaveta, pegando uma calça jeans e uma camiseta qualquer de minha antiga escola nos Estados Unidos e um par de roupas de baixo, e segui para o pequeno lavabo. Não era exatamente espaçoso como costumava ser o vestiário lá embaixo, mas eu preferia tomar banho no chuveiro apertado do meu quarto, a ter que ir lá embaixo e encarar todas as caras curiosas...na verdade eu acho que sempre preferi, mesmo quando encarar as pessoas não me incomodava, era só...indiferente. 

Quando tinha passado a ser diferente?! Me perguntei. Quando eu passei a me incomodar? Minhas respostas não existiam para ambas as perguntas, por isso achei que a melhor opção mesmo por hora era abrir o chuveiro, e deixar que a água espantasse meu medo, ou pelo menos o frio que eu sentia no momento. Quinze ou vinte minutos depois devem ter sido o suficientes para meu banho matinal, e logo vesti as peças que havia escolhido, mesmo sabendo que usá-las na escola seria proibido, uma vez que éramos obrigadas a usar os uniformes mesmo aos domingos, nos últimos anos. Se olhassem, que tivessem algum motivo pra olhar. Resmunguei mais uma vez, encarando meu rosto no espelhinho acima da pia. Nem ele mais eu reconhecia. Não me lembrava de ter aquelas bolsas escuras embaixo dos olhos, tão pouco de meu rosto ser tão fino, tão pálido...tão sem vida.

Sai do banheiro, e para minha sorte, minha nova colega de quarto continuava a dormir. Ainda dava tempo de buscar o café da manhã dela. Pensei comigo, pegando um de meus moletons e vestindo, encarar o inverno só de camiseta seria loucura, e eu não estava louca...apesar de todo o resto do mundo achar que sim. Aproveitei o capuz do casaco, e cobri minha cabeça, de maneira a até cobrir parte de meu rosto. Escondi as mãos no bolso canguru da blusa e segui rumo ao refeitório. 

Os olhares eram muitos na minha direção, mas de alguma forma eu estava bem por dentro, eu até conseguia sorrir. Eles não me olhavam porque eu era louca, eles me olhavam porque eu estava vestida com qualquer coisa, menos o uniforme que eu deveria. Foi o que eu coloquei na cabeça, porque pelo menos assim havia um motivo real, na minha opinião, para eu ser tão mal encarada. 

Adentrei ao refeitório, e encontrei lá mais olhares curiosos, não me importei, segui para o balcão onde estava o café da manhã. Como sempre pegando tudo em grande quantidade para que eu pudesse guardar na bolsinha que sempre levava comigo as idas para o refeitório. Peguei apenas uma laranja para mim, e segui com a bandeja cheia de outras coisas matinais para alguma mesa. Descasquei a fruta tranquilamente, e a cortei em cinco pedaços, comento um a um, enquanto observava o salão ir se enchendo. Quando terminei o último pedaço me levantei, com a comida toda já guardada na bolsinha. Caminhei em direção a porta, e quando me faltava um passo para sair.

"Elizabeth?!" Ouvi a voz a minhas costas, e me virei, ultimamente, qualquer voz que eu ouvia eu tinha dúvidas, mas era só Amber, a professora de Química.

"Sim?" Perguntei.

"Não acha melhor subir e vestir algo mais apropriado, querida?!" Ela parecia ter pena. 

Fiz que não com a cabeça. "Estou bem assim, professora."

"Vamos, querida! Não quer se sentar então e conversaremos?!" Eu costumava ser uma das alunas exemplos dela na aula de Química avançada. Continuei fazendo que não com a cabeça.

"Eu tenho que encontrar alguém..." Disse, juntando uma de minhas mãos a bolsinha verde.

"Quem vai encontrar, Lizzie?!" Ela perguntou, ainda me olhando daquela forma piedosa.

" Uma amiga." Respondi.

"Posso ver o que tem ai?" Vi o olhar da professora se desviar para a bolsinha. 

Fiz que não com a cabeça.

"Eu preciso ver, Lizzie." Ela pediu, esticando a mão na minha direção, para que eu entregasse a bolsa, e não vi outra opção, tirei a alça de mim, entregando-a.

A professora abriu o zíper, se deparando com toda a comida que eu havia afanado. Ela levantou os olhos, como se questionasse o que era aquilo.

"É para minha amiga..." Achei que fosse necessário falar.

"Querida, a senhora Vaughn já conversou com você...não existe amiga...estamos preocupadas com você, Lizzie..."

"Existe!" Gritei com ela sem pensar, com as lágrimas inundando meus olhos. "Jenny existe!...e ela é a única que me ouve e acredita em mim nesse lugar dos infernos!" Ao meu estado, a professora tentou se aproximar, me chamando para falar mais baixo, uma vez que o refeitório inteiro havia parado para observar a cena.

"Calma, vamos para minha sala...está bem, Lizzie? Conversamos lá..." Ela dizia baixo.

" Eu não quero ir pra sala nenhuma." Tentava livrar meu braço que ela segurava. "Não quero merda nenhuma de quem não acredita em mim!"

Logo a minha mais nova sombra, Kimberly Maddox, a psiquiatra que haviam me arrumado, chegou por trás de nós, segurando ambos meus braços, não me dando mais escolha de tentar escapar. 

"Pode deixar, eu cuido dessa criança agora." A mulher loira disse daquela forma que me irritava profundamente.

"Eu não sou criança!" Resmunguei em alto e bom som, logo na sequência me sentindo mais criança do que nunca.

"Vamos, Lizzie...o showzinho acabou!" Ela disse toda arrogante, me levando para a sala que havia sido improvisada para o consultório.

Me sentei na cadeira, contra a minha vontade de estar ali, mas era melhor do que ficar em pé.

"E então, o que me diz sobre isso?!" A mulher estava sentada na ponta da mesa, de braços cruzados e me encarando.

"Sobre o que?" Perguntei, revirando os olhos, para olhar na direção da janela.

"Como sobre o que menina?!" Kimberly falou sem paciência. "Eu tenho cara de que? Vou ter que te salvar toda vez que você quiser platéia, é isso?!" Ela retrucou e eu não entendia o porque de tudo aquilo, não tinha pedido pra ninguém ir me salvar.

"Eu só estava pegando comida para minha amiga...já te contei sobre ela, só isso, não estava fazendo nada demais..." Balançava um de meus pés constantemente como um tique nervoso, ou eu diria raivoso, por aquela psiquiatra agora que achava que podia dar escândalos comigo?

"Sua amiga não existe menina, e tão pouco você existira se continuar assim."

A forma com o que ela disse me fez arrepiar. Me calando, pela primeira vez no dia, a alguma coisa que me era dita.

"Como assim?!" Perguntei, alguns minutos depois, com certo receio, já que ela havia se calado, apesar de continuar a me encarar com os gélidos olhos azuis sem emoção alguma.

"Que quando eu conseguir o que quero, você some, fedelha!"

Engoli em seco, tendo novamente a primeira certeza que eu tive quando encontrei essa mulher pela primeira vez. Eu nunca mais queria vê-la.

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