quarta-feira, 20 de junho de 2012

“Fui escrever minha história em uma folha e quando terminei de escrever, vi que a folha estava toda rabiscada.”



Cheguei ao refeitório quando ainda se quer ele havia aberto. Eu tinha duas preocupações em mente:

 1) Jenny estava no meu quarto (pelo menos era o que eu esperava) sem comer desde o café da manhã. 
2) Eu precisava dar um jeito de enfiar o máximo de comida dentro da pequena bolsa verde musgo tiracolo que eu trouxera comigo.

 Agora me responda você...duas missões não tão difíceis, não é?! ERRADO. Eu era péssima mentindo, e sabia muito bem disso, sempre fora, não conseguia nem mentir sobre uma resposta na prova para quem me pedisse cola, quanto mais porque minha bolsinha estava cheia de comida caso alguém me perguntassem. No mínimo iam me achar com algum transtorno daqueles doidos alimentares que escondem comida no quarto....e...mais psicologo....nãããão! 

 Assim que foi liberada a entrada para o refeitório eu fui a primeira a ocupar na fila. Segui para o balcão onde eram servidos as preparações. Para mim, nada muito rebuscado eu queria, uma ou duas panquecas, como sempre e um pouco de água me eram suficientes, mas para Jenny eu não tinha tanta certeza assim. Eu mal a conhecia, na verdade a conheci no dia anterior, e além de saber que ela era mutante e possivelmente filha da minha ex-namorada (e isso ainda fazia minha cabeça das reviravoltas, porque até onde eu me lembrava Paulie tinha no máximo atualmente dezenove anos...e é biologicamente impossível alguém ter um filho um ano mais novo), de nada mais sobre ela eu tinha certeza. Maçã ou Pêra? Suco ou refrigerante? Carne ou Frango? Pão ou torrada? Por via das dúvidas eu havia pegado uma opção de cada, e eu só esperava conseguir colocar tudo na pequena bolsa. Me sentei em uma das mesas vazias, como sempre, mas mal esquentei a cadeira, engoli rapidamente a única panqueca que havia pegado e tomei um copo de agua, me preocupando em agilizar e esconder todo o resto que havia conseguido pegar na bolsa antes que o refeitório enchesse. Levantei no máximo dez minutos depois. 

 "Já jantou, senhorita Campbell?" Uma das professoras me chamou a atenção quando eu estava quase conseguindo sair do refeitório. Respirei fundo, mantendo em mente que eu não poderia deixar pistas de que estava mentindo. 

" Não estou me sentindo bem, professora, receio que seja melhor me recolher mais cedo está noite." Tentei ser o mais sucinta possível, ainda que pudesse sentir minhas mãos sendo tomadas por um frio absurdo....o que costumava acontecer quando eu tinha que mentir...ou algo do tipo. 

 Assim que sai do refeitório, apressei os passos. Não sabia exatamente o quão era a fome de Jenny, desde que não a via desde cedo, mas ainda sim achei melhor me apressar. Abri a porta as pressas, ainda me recuperando da correria até ali. "Jenny, cheguei!....eu consegui!!" Exclamei de forma animada, para mim era quase um fato inédito eu conseguir mentir e escapar tão bem. Mas não ouvi resposta dela, adentrei ao quarto, e só então, quando encostei a porta ela surgiu na minha frente, saindo do lavabo lateral do quarto. Suspirei aliviada. 

 "Podia não ser você....então resolvi...sabe..." Jenny deu de ombros. "Me esconder." Eu ri porque nunca imaginaria pensar nestes pequenos detalhes e logo ela voltou a falar. "Mas sério que trouxe comida?! Cadê?Cadê?" Ela perguntou quase que afobada, e eu ri, entregando a bolsa a ela. 

 Me direcionei para minha cama, livrando meu pescoço da gravata e me acomodando ali. "Por via das dúvidas trouxe uma opção de cada coisa que consegui..." Ri, ao ver que ela tirava coisa a coisa da bolsa, colocando em cima da cama, e observando tudo...no final até que aquilo tinha resultado em bastante comida...o suficiente talvez para três ou quatro Jennys. 

 "Obrigada mesmo, Lizzie!...eu não queria estar te dando tanto trabalho...prometo que assim que eu jantar, você pode piscar o olho e eu não estarei mais aqui!" Ela dizia entre uma mordida e outra do misto quente.

 "Não se preocupa...não me deu trabalho." Dei de ombros, no fundo era bom estar conversando com alguém novamente...coisa que não acontecia a algum tempo. E então, depois que ela já havia terminado de comer o lanche, e estava partindo para uma das frutas, decidi voltar a falar. "Você acha que vai dar certo?" 

 Com a boca cheia, ela não respondeu propriamente, apenas concordou com a cabeça e depois de um gole do suco veio a falar. "Claro que vai..." E então ouve uma pausa, sem sentido, que me fez focalizar os olhos nela, afim de entender o que queria dizer aquela pausa. "...quer....dizer a última vez não funcionou....basicamente digamos que a coisa funciona quando eu não quero..." Ela fez uma careta, dando mais algumas mordidas na maçã. 

 " Você sabe que é exigir demais pra minha cabeça humana entender essas maluquices...." Dei uma risada, enquanto acomodava minhas costas na parede paralela a minha cama. "...deve ser bizarro demais dormir em um canto...acordar em outro..." Fiz uma careta, só de pensar na possibilidade.

 "Você quer me acompanhar?" No instante em que Jenny perguntou eu arregalei os olhos, achando que ela estava ficando louca, eu não pretendia fazer nenhuma viagem sem paradeiro. Mas então, como se imaginasse o que eu pensava, completou. "....não na viagem...quero dizer, tem bastante comida..." Ela apontou para a cama cheia, e eu dei risada, levando uma das mãos ao meu estômago, ainda estava digerindo o que comera lá embaixo. 

"Não, não...obrigada, ainda estou cheia da primeira janta!" Brinquei. E desviei minha atenção para o resto do quarto, com medo que ela ficasse incomodada de alguém encará-la enquanto comia...pelo menos eu não gostava das pessoas me encarando enquanto eu me alimentava, mas às vezes em que ela se encarava no espelho, parecendo cheia de dúvidas, me chamara atenção. "...o que foi, Jenny?" 

"Ah..." Ela pareceu se despertar de um sonho, e me perguntei o que ela pensava. A vida limpar a boca com o guardanapo antes de responder. "...são meus olhos...para eu conseguir viajar eles precisam mudar de cor...mas não estou conseguindo..." Ela disse, em desânimo, com um suspiro pesado. Suspiro da mesma maneira que ela, mordendo meu lábio inferior. 

Me levanto da cama, andando calmamente até a cama em que ela estava, parando ao lado, de maneira a conseguir ficar de frente para o espelho também. Continuo a encarando por ali, enquanto volto a falar. "Ouvi dizer um dia que para conseguir fazer os olhos mudarem de cor é preciso se concentrar..." 

 Jenny me olhou, mas eu mantive encarando-a apenas pelo espelho. "...é o que minha mãe costuma falar!" Ela disse, e eu tive que morder meu lábio inferior para não falar que eu sabia. "Mas o que é concentração afinal?! Desejar? Pedir?Pensar?" 

 "Hm...primeiro tenta se concentrar no ambiente, e então em você...e ai no espaço em que você está ocupando no ambiente...e então deseje...o que quer desejar..." Tentei arriscar alguma coisa, mas a verdade era que eu não sabia como Paulie se concentrava, eu só sabia que existia concentração envolvida. Ela concordou com a cabeça, e pareceu seguir o que eu falara. Já eu, me mantive quieta para não atrapalhar, apenas olhando-a pelo espelho para ver se surtia efeito, mas de depois de alguns segundos de tentativa ela voltar a bufar, se levantando, como se fosse atacar o espelho com pequenos socos.

 "Não funciona, Lizzie....eu não sei voltar pra casa." Ela choramingou. 

 "Você não disse que precisava dos mapas?...eles estão ali..." Apontei a pilha de livros que pegamos no dia anterior. "Você não quer que eu busque eles para você?" 

 Jenny fez que não com a cabeça, e voltou falando baixinho, como se estivesse envergonhada. "Eu menti...eu não sei voltar para casa....todas as vezes que aconteceu....aconteceu contra a minha vontade...e..." Ela se emburrou, suspirando. 

 "Calma..." Disse, mas não sabia como continuar. "Olha...vamos ver, o que acontecia de comum nas vezes em que você viajou?" 

 "Eu estava irritada..." 

"O que te faz ficar irritada?" Continuei, tentando achar uma solução.

 "Meninos...eles me deixam irritada..." Ela deu de ombros e riu, e me perguntei se ela ria pelo jeito ou pelo que eu falava. Foi minha vez de bufar, sem esperanças. 

"Eu não vou conseguir achar um menino pra te irritar no meio de um colégio feminino...." Ela riu mais uma vez, e eu comecei a achar que a risada era pessoal. 

"Tá...não precisa ser só irritada....a primeira vez que viajei eu estava vendo um filme....para adultos..." 

 Primeiro arregalei os olhos. Mas pela surpresa, porque eu estava começando a achar que eu era a unica criatura no mundo que nunca havia visto esse tipo de filme. Depois, então, revirei os olhos. "Mas você só acha coisa difícil..." Resmunguei. "eu não tenho filmes...." Baixei os olhos para o chão, concluindo rapidamente. "assim." 

"Eu também não!" Ela exclamou rapidamente. "Mamãe me mataria!" Ri da forma como ela falou, mas antes que eu pudesse dizer algo, ela voltou a falar. "O que vocês fazem por aqui?!...porque já que eu estou aqui, quero aproveitar a viagem. Existe boate?" 

 "Boate?" Repeti, rindo. "Não....não...quer dizer, não do meu conhecimento. Eu não frequento esses lugares, não costumo quebrar as regras sobre sair do colégio e...." 

Ela me interrompeu. "Nunca?" Fiz que não com a cabeça.

 "Quase nunca..." Já havia quebrado algumas pequenas regras, mas não vinha ao caso.

 " Então vamos dançar, medrosa!" Ela disse empolgada, de repente, esticando a mão para mim. "Eu te ensino!" 

 "Ahn...não...não sei isso..." Ri, sem graça, mas aceitei a mão. "Não pode ser ir tomar uma coca-cola?" 

 "Hm, se estiver batizada....não há problemas..." Ela brincou de um jeito que me fez arregalar os olhos mais uma vez. "Vamos lá, garota certinha, vamos radicalizar! Ira totaaal!" No mesmo instante puxei rapidamente a minha mão que segurava a dela. Tomada pelo monte de confusão mental que me atingia sempre que ouvia ou via qualquer coisa que lembrava Paulie. Fechei os olhos, apertando-os, por um instante, como se precisasse disso para cair na real. "Ei...calma...não vamos beber se você não quiser...estou só brincando..." Ela disse, percebendo o meu susto, provavelmente achando que era pelo que ela falara....e realmente era pelo que ela falara....só que pela gíria que ela usara, e não sobre dança ou bebida. 

 "Não é certo eu sair..." Tentei fugir dos pensamentos que atingiam minha cabeça. Merda de dor de cabeça. 

 "Eu sei...eu sei...calma...não falo mais nada, vou ficar quietinha aqui, e quando você acordar não estarei mais aqui, ok?" 

 "Não quero que vá embora se não for pra ir onde sua mãe está." Acabei por confessar. Ela sorriu, mas logo suspirou. 

"Não sei porque não consigo ir pra casa...é como se eu estivesse muito longe." 

 "Então você fica aqui até encontrar um jeito de ir...está bem?!" Ela concordou com a cabeça, e pareceu mudar de assunto logo em seguida. 

"Você já vai dormir?" Fiz que não com a cabeça, mas perguntei. 

"Você já quer dormir?!" Ela respondeu com o sinal de negativo também, e logo deu dois tapinhas na cama, no espeço vazio ao lado dela.

 "Não...não, ainda não tenho sono....vem cá sentar comigo?" Concordei com a cabeça, me aproximando e sentando no lugar que ela indicara.

 "Você tem medo, Jenny?!" 

"Por que a pergunta?" Foi tudo o que ela disse. 

 "Não sei...eu no seu lugar, estaria perdida de tanto medo...na verdade eu já tenho medo naturalmente e...." Mas ela me deu um beijo na face, interrompendo o que eu falava sobre medo. Me calei, e então ela quebrou o silencio. 

 "Eu estou em pânico...ok? Ficou feliz?..." Ela riu, sempre falava tudo com um jeitinho brincalhão.

 "Deeeeesculpa...por te fazer pensar em medo!" Mordi meu lábio inferior, arrependida por ter tocado no assunto, mas era sempre algo que me deixava curiosa, as diferentes maneiras que as pessoas lidavam com o medo. Ela apenas riu, e mudou de assunto mais uma vez. 

"Quando se formar vai poder me visitar?...Lá na Alemanha?!" Ela perguntou de um jeito fofo. Eu ri, mas ri pelo nervosismo que pensar no meu futuro me causava. 

"Eu não sei o que será de mim...depois que me formar...mas....eu vou dar um jeito de te visitar um dia, está bem?" Prometi. Ela sorriu, e levou uma das mãos em um carinho no meu rosto, possivelmente percebendo que falar do futuro me incomodava.

 Buscou um dos meus diários, que ficavam espalhados pelo quarto e pareceu alisar a capa de um deles, me olhando logo na sequência. "Costuma escrever tudo que acontece neles com você?..." 

 Sorri, abaixando meu rosto por um instante, mas logo volto a encará-la. "hm...escrevi por muito tempo...mas confesso que falhei nos últimos dois anos...mas pela forma que doía eu ter que encará-lo..." Disse me referindo ao diário. "...voltei a recordá-lo há poucas semanas..." 

 "Se te machuca não deveria relembrar." 

 "A questão não é relembrar...porque sempre irei lembrar...e é bom que eu lembre, só preciso achar um equilíbrio para que isso não prejudique...como vinha fazendo há algum tempo atrás." 

"Eu nunca fiz um diário...não teria paciência..." 

 "Eu também achava que não tinha....na verdade surgiu anos atrás essa história de fazer diário como uma terapêutica do psicologo...já que eu não conseguia contar para mais ninguém sobre o que acontecia comigo..." Disse, encarando-a. 

 "Eu acho que vou tentar..." Ela sorriu, me olhando. "....você é minha primeira amiga, sabia?!" Sorri, pela maneira dela mais uma vez.

 "você também é uma das únicas amigas que eu tive..."

"Lizzie..." Ela voltou a falar, e a olhei nos olhos, mostrando que estava ouvindo. "E se eu nunca mais voltar?!" Ela completou. 

"Você tem pessoas que virão atrás de você..." Suspirei, dizia com tanta certeza porque conhecia Paulie, sabia que ela não deixaria sumido ninguém que ela amava.

 "Mamãe? Eu to ferrada quando ela me encontrar....eu ...." Ela parou de falar, e só então percebi que ela encarava um outro diário meu, a capa mais precisamente, onde estava a data. Não entendi porque, mas não tive tempo de falar, logo ela me perguntou. "Lizzie...em que ano estamos?!" 

 Eu ri, Jenny tinha uma mania estranha de fazer perguntas mais estranhas ainda. "Como que ano estamos, Jenny?!...Dois Mil e Doze....oras essa...ano do fim do mundo e buuuuu!" Disse cheia de brincadeiras, para ver se ela ria um pouco. 

Mas não surtiu efeito, ela pareceu ficar ainda mais séria.

 "O mundo não vai acabar em dois mil e doze." Ela disse firmemente. 

Eu ri, também não acreditava nessa coisa toda de profecia, mas ainda sim insisti. "Hm...como pode ter tanta certeza?" 

 "Porque eu nasci em Março de 2013..."

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