quinta-feira, 21 de junho de 2012

“Para ser insubstituível, você precisa ser diferente.”




"Jenny!...Jenny...pode vir!" Espichei a cabeça para dentro do quarto, chamando-a, depois de conferir pela quinta vez se os corredores estavam vazios. Afastei o resto da porta do quarto, para permitir que ela conseguisse sair.

"Tem certeza?!...não quero te meter em encrenca..." Ela disse, parecendo incerta.

"Não vai me colocar em nenhuma encrenca...não se preocupe, tá tudo bem! Vamos aproveitar que o sinal para o jantar já foi dado...onde quer ir?" Perguntei, encostando a porta para que nossa fuga para fora do prédio fosse o mais rápido possível.

"Qual quer lugar que não seja seu quarto...pode ser?" Ela brincou. "...não você, você é quem sabe, vamos lá...me surpreenda..."

Ri pelo jeito dela, mas dei de ombros." Vamos lá, mas já aviso que sou péssima em surpreender..." Garanti a Jenny com o sorriso, mas ela não pareceu se importar. Sorrateiramente fomos andando pelos corredores do colégio, indicando o caminho para ela, até nos vermos livres das paredes do prédio.

"Nada como um pouco de ar fresco!" Eu sorri,  e olhei para ela por um instante, para ver se concordava, e assim que ela assentiu com a cabeça, continuei a andar. Contornando pela sala de ginástica e desviando da floresta até chegar  na escadaria do ginásio. Pelo frio do cair da noite, o céu estava limpo, ainda mais limpo próximo de onde estávamos pela falta de árvores, que se concentravam mais no resto do campus. Ali costumava ser o lugar onde eu me dedicava aos estudos de astrologia, exatamente por não existir nada que ficasse muito no meio da minha visão. " Não sei se isso é surpreender, mas...aqui é o lugar mais pacificador que existe no colégio...onde eu costumo estudar Astrologia,...sabe?exatamente por isso. É onde tem menos árvores..." Eu indicava para o resto do campus e depois para onde estávamos." a visão mais limpa que vai encontrar aqui..." Disse, por fim, encarando-a.

Ela olhou ao redor, parecendo deslumbrada, porque de fato era uma das visões mais incríveis que poderia se ter do céu, e então por fim me olhou também, assim que eu encerrei minhas explicações. "Obrigada, Lizzie!" 

Trocamos um sorriso, e então achei que deveria complementar o real motivo do porque a levara ali. "...Assim você tem como lembrar um pouquinho de casa né..." Mordi meu lábio inferior sem saber direito como explicar, mas logo fui juntando as palavras para tentar me expressar. "digo...o céu não muda muito de lugar pra lugar...sei que está longe, mas quero fazer o possível para que se sinta em casa..." Sorri de canto, me acomodando em um dos degraus. De início ela não respondeu nada, mas ainda sorria, o que era bom sinal, eu acho, mas então ela foi se abaixando, até beijar minha face de uma forma que me fez rir pela forma carinhosa que ela tinha, e ela agradeceu mais uma vez, deitando naquele mesmo degrau em que eu estava. Automaticamente fui um pouco para o lado, deixando ela se acomodar melhor. 

"Você é irada, sabia?! Gosto demais de estar aqui...porque estou com você..." Ela me surpreendeu mais uma vez, colocando outro sorriso em meu rosto.

Era bom vê-la assim, na noite anterior, enrolei a noite inteira entre sonhos estranhos e pensamentos, sobre como estar longe de tudo podia estar fazendo mal a garota, mas de repente vê-la sorrir, me trazia um pouquinho de paz. "Eu vou sempre estar então!" Garanti, sorrindo, e levei uma de minhas mãos até a franja que ela fazia questão de manter em seus olhos, e a baguncei levemente. 

Jenny sorriu, e voltou a olhar para o céu, parecendo se perder nos pensamentos mais uma vez. "Lizzie..." Ela cortou o silencio minutos depois.

"Oi?" Despertei de meus pensamentos também.

"E...se eu nunca mais voltar?!" Pude identificar o medo na voz dela ao pensar na possibilidade.

Suspiro, antes de responder qualquer coisa, e logo meus olhos percorrem o céu, em busca daquela estrela mais brilhante, aquela que apelidei e passei a cuidar, e que me deu tanta força nos últimos tempos, não por menos, porque só o nome já trazia força e representava todo amor e felicidade que eu tivera, e ainda com os olhos fixos na estrela te respondi. " você vai voltar...conseguindo por si própria ou por ajuda...mas você vai voltar, eu te prometo, tá?!" Disse, pedindo em silencio a estrelinha, não por menos apelidada de Paulie, que onde quer que estivesse, viesse buscar a menina, e não a deixasse sofrer pela distância. 

De primeiro, Jenny não respondeu nada, mas sorriu, parecendo mais confortada, e senti a mão dela buscar a minha. A segurei, acariciando a lateral da mão da menina com meu polegar, levemente. Ficamos em silencio por algum tempo. Até que mais uma vez Jenny resolveu falar.

"Lizz....você não faz mais nada?!" Percebi os olhos da loirinha buscando os meus. "...digo você não dança, além de estudar e contar estrelas o que mais você faz?!"

"Eu não conto estrelas!" Foi a primeira coisa que respondi rindo, pela maneira que ela apelidara meu estudo de astrologia."...eu só observo-as..." Mordi meu lábio inferior, porque agora vinha a segunda parte da pergunta, e eu não sabia o que mais eu fazia além daquilo...provavelmente nada. "mas eu...ah...essa é minha vida, Jenny!" Dei de ombros, desistindo de achar alguma outra coisa.


Meus olhos encontraram os dela.

"Você gosta dessa sua vida?" Ela indagou.

Levantei meus ombros, mas logo os soltei em um suspiro. As perguntas estavam ficando complicadas. "Não sei se gosto...mas é o que eu tenho, e vida não é algo para se reclamar..." Sorri de canto. "...então estou bem assim, por que?!"

"Porque eu acredito que podemos ter a vida que quisermos...basta mudar..." Aquela força e vontade de viver que eu sabia de quem vinha, me fez arrancar outro sorriso.

"Eu não lido muito bem com mudanças...Jenny..." Continuei, olhando-a. "Nunca lidei."

"Muda! Estamos na vida para mudarmos padrões!" Ela continuou a insistir.

"Vou mudar pra que? Mudar o que?! Não gosto de revoluções, nunca gostei...elas nunca funcionaram na história, porque iriam funcionar comigo?!...eu sou a dezessete anos assim, não sei ser de outro jeito." Confessei, fazendo ela fazer uma caretinha, mas como ela não disse nada, resolvi puxar assunto dessa vez. "E você?Gosta da sua vida?!"

"Hm...um pouco,  mas mudo constantemente." Foi tudo que ela respondeu.

Mais uma vez eu reconhecia as características de onde vinham, e tudo aqui voltava a bagunçar minha cabeça, me fazendo insistir para minha mente que quem estava ali comigo era Jenny. Achei por fim, que era melhor voltarmos, antes que os corredores se enchessem ao alvoroço do toque de recolher. "Vamos, Jenny?...antes que os corredores se encham!" Ela concordou com a cabeça, e fez um "Ok" com a mão, logo se levantando e limpando a terra que ficara na calça jeans.

Dei alguns passos a frente, esperando-a, mas ela começar a falar, me fez olhar para trás novamente.

"Fiquei de castigo porque minha mãe descobriu que eu perdi a virgindade. Com...o que todo mundo, inclusive eu, acreditava ser um menino...o Miguel...mas era uma garota!"

Fico em silencio no primeiro instante, tentando entender a história, porque não me surpreendia ela ter perdido a virgindade, nem que fosse com uma garota...mas sim que ela ficara de castigo por isso. "Castigo?...mas como assim?!" Eu ainda estava confusa, Paulie não me parecia o tipo de pessoa que quando tivesse uma filha, fosse fazer isso com ela. "....quer dizer, não é o que as mães esperam ouvir...mas você tem dezoito anos e..."

"Quatorze."

"Que?" Perguntei, confusa.

"Tenho Quatorze anos...faço as pessoas acharem que eu tenho dezoito...umas mentirinhas às vezes, sabe?!" Ela deu uma risadinha levada.

"Quatorze?!" Perguntei, arregalando os olhos. "Pera....você mente?"

"Não é que eu minto, Lizzie, às vezes só não conto minha idade verdadeira..." Ela deu de ombros como se fosse a coisa mais normal do mundo. "...porque com quatorze anos não se pode beber, nem ir nas boates...nem nada do que eu gosto de fazer."

Revirei os olhos. "Não queira ter dezoito anos, não vale a pena." Foi tudo o que eu disse e o silencio se instalou, voltamos a andar, mas tão pouco uma de nós parecia que iria falar algo. Comecei a me perguntar se eu havia pegado muito pesado, se havia sido estúpida...mas poxa...mentir era algo tão...tão baixo. Mesmo que fosse só a idade, pequenas mentiras podiam virar grandes.

Assim que chegamos na porta do dormitório, a abri, deixando-a entrar primeiro, para que eu pudesse verificar os corredores logo em seguida. Assim que fui para dentro do quarto, ela já havia se acomodado em uma das camas, e em simplesmente segui para minha, imaginando que ela não queria papo algum. Ameacei a falar uma ou duas vezes, para pedir desculpa mas a voz simplesmente não sumiu, até que vi ela tentar. 

"Vou tentar me concentrar mais uma vez.."

Fui pega de surpresa, ainda que ela tivesse mentido, eu não queria que ela fosse embora, ao mesmo tempo que sabia que ela precisava ir. "Ahn...você quer que eu vá pro banheiro?...ou para fora do quarto...ou..." Eu me confundia e atropelava minhas próprias palavras, até que tentei me corrigir e fazer tudo aquilo ter algum sentido. "digo...você quer ficar sozinha para se concentrar melhor?"

Jenny me surpreendeu, rindo. "Você é engraçada, Lizzie, vou te mandar pra um lugar sim...." Ela fez um suspense, com uma pausa, e me perguntei mesmo se ela ia me xingar, mas aliviei os ombros assim que ela voltou a falar. "Vem pra cá..." Ela deu dois tapinhas ao lado dela na cama. Acabei por rir, e me direcionei até o lado dela, porém não me sentando, permanecendo ali em pé."Lizzie..." A menina voltou a falar só quando eu estava ali já. " se eu conseguir...como vamos nos ver de novo?"

"Você ainda quer me ver de novo?!" Perguntei, surpresa.

"Mas como faremos?! Temos alguns anos que nos distanciam...eu ainda vou nascer no seu ano que vem...e estou com quatorze anos em 2023..."

"Trinta e dois anos?!" Eu engasguei, interrompendo-a, assim que fiz a conta rapidamente. "Eu vou ter trinta e dois anos?!" Não conseguia se quer me imaginar com aquela idade, mal conseguia pensar na responsabilidade dos dezoito.

Ela fez uma daquelas caretinhas fofas, e disse com um biquinho. "Eu tenho que ir....mas promete se lembrar de mim mesmo com trinta e dois anos?"

Mordi meu lábio inferior, engolindo o "quero que fique", que gostaria de falar, sabia que ela precisaria ir, e não seria egoísta a ponto de pedir que ela ficasse só porque eu era uma sem amigos. Concordei com a cabeça. "Eu...vou.." Respondi com o nó crescendo em minha garganta.

Jenny vasculhou ao redor, e eu me perguntei o que ela procurava, mas logo ela encontrou um caderno e começou a desenhar. Continuei em silencio, observando a cena. A loirinha se aproximou de mim, e só então reconheci nossos desenhos, um em cada folha. O meu, ela guardou no próprio bolso do casaco, e o outro ela esticou, sussurrando para mim.

"Eu só quero te pedir uma coisa....uma coisa antes de ir." Ela fez uma pausa, e eu respirei fundo. "Um beijo...eu só preciso de um beijo na boca seu..." Apertei os olhos, fechando-os com força rapidamente, insistindo para minha mente que não era Paulie. Mas a voz, o desenho, o sussurro, o pedido... tudo parecia querer me enganar. Abri os olhos, logo desviando-os, quando achei que estava um pouco mais forte e acreditando um pouco menos no que meu coração e minha mente tentavam me dizer...eu já não podia mais confiar em nada vindo de mim. 

Peguei o desenho, dobrando-o cuidadosamente. "Mesmo sem desenho eu lembraria de você, Jenny!" Sorri de canto, encarando-a nos olhos. "Mas..." Baixei a voz ainda mais por um instante. "...eu não posso te beijar."

"Não?!" Era notável a surpresa na voz dela. "Não vai ser gay por causa disso, te prometo."

Eu ri pela ironia do destino. "O  problema não é ser gay." Suspirei fundo. "..o problema...é...é eu não posso, sabe?! Eu não fico com ninguém..."

"Ei, não estou te pedindo em casamento, ...só pedi um beijo..."

"Eu sei, mas eu não posso dá-lo. Aliás...posso..." Me aproximei dela, beijando a maçã do rosto de Jenny por um instante um pouco mais demorado e de forma carinhosa. "...assim, está bem?"

Não vou dizer que ela gostou muito da ideia, saiu emburrada de uma forma toda mimada, em direção ao banheiro, provavelmente para tentar a partida. Fiquei em silencio até minha boca me trair e resolver falar. "Jenny..." A chamei, com a voz baixa, mas ainda para que ela escutasse. "...eu sei que você precisa ir embora...mas eu queria que soubesse que eu não queria que fosse...obrigada por ter passado esses..." Parei de falar, quando a vi, sair do banheiro, mais emburrada ainda.

"Eu não vou." Ela cruzou os braços. "Precisa de muito poder pra isso...eu não consigo."

"Eiii...eu já não te prometi que vão vir te buscar?"

"Mas e se ela não vier?!" Jenny choramingou, enquanto se sentava na cama, e só quando levantou o rosto eu vi que seus olhos estavam realmente cheios de lágrimas.

Suspirei, indo até a cama, e encostando meu joelho no colchão, logo em seguida sentando sobre minha perna, perto de onde ela estava. Levei o polegar até próximo aos olhos da menina, enxugando-os cuidadosamente. "Ela vai vir, Jenny...confia um pouquinho em mim..." Pedi, baixinho.

Jenny fez mais uma caretinha, e com a voz ainda chorona, apesar de sorrindo, disse. "Tá, eu confio." E então se aproximou para beijar meu rosto mais uma vez e logo se acomodou na cama, deitando. " Tô tão cansada...tão triste e tão feliz ao mesmo tempo.."
 
Me aproximo dela na cama, sentando mais perto, para conseguir alcançar as madeixas loiras. Fiquei afagando-as de maneira delicada. "Vai dar tudo certo...calma...eu vou ficar do seu lado até dormir...está bem?!...se sente melhor assim?" Perguntei em sussurros. E a vi concordar com a cabeça e agradecer mais uma vez, e pouco tempo depois cair no sono. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário