sexta-feira, 27 de abril de 2012

"Eu canto, porque o instante existe e a minha vida está completa."





25 de abril de 2012

Andávamos em passos apressados para cumprir a única atividade que tínhamos aos domingos: a missa. Mas minha vontade ultimamente andava mínima para compromissos religiosos, como se o receio de que os pesadelos voltassem  aumentasse só de pensar em capela, missa e coisas do tipo. "- P...não sei se quero ir hoje para a capela..." Parei repentinamente faltando dois degraus para chegarmos a porta que dava acesso a missa. "- Acha que eles notariam minha falta?"

"- Você não quer ir...." Ela começou a falar, mas eu a interrompi para explicar.

"- Não...sabe..tenho medo que..." Mas então foi a vez dela não me deixar concluir a frase.

"- Não precisa explicar...olha..." Ela sorriu, desviando o caminho e me puxando pela mão. "-...vamos, vou te levar para conhecer um dos meus lugares favoritos aqui." Paulie sorriu, me passando confiança.

"-...tem a ver com a flores-..."

Mas P. logo negou com a cabeça, e então a segui sem receios, porque eu não queria nem pensar na noite anterior em que poderíamos ter sido mortas pelo felino.

Chegamos a última sala do canto norte no segundo andar. Era toda decorada em estilo modernista, e eu imaginei logo de cara que tinha a ver com artes. "- Uma sala de artes?" P. assentiu, sorrindo, e me puxando dois lanças de escada dentro do espaço. Alguns alunos estavam por lá, o que me fez rir quando Paulie comentou algo sobre a missa estar fazia.Nos sentamos no chão em um espaço mais tranquilo, onde havia alguns papéis e lápis no chão. A olhei, com um sorriso de canto nos lábios. "- E então, qual é o seu talento?"

P. não me respondeu de primeira, mas sorriu, o que me fez corresponder ao sorriso. "- Bem...eu desenho...e considero que eu desenhe razoavelmente...e também arrisco algumas cifras no violão..."

"- Sério?" Me espantei quase que na mesma hora. Mas um espanto bom...de surpresa. Sobre desenhos eu não entendia quase nada, a maioria dos meus eram abstratos, ou acabavam virando. Porém de música, eu fizera aula de piano desde os meus seis anos, e de violão desde os nove. "- Bom...um dia tocaremos como uma dupla então..." Eu ri, porém, me obrigando a ficar séria por um instante, completei. "-....mas não de sertanejo!

Ela riu, provavelmente pelo meu último acréscimo, e então pegou alguns papéis e lápis de desenho. "- Posso fazer um desenho pra você?"

Concordei com a cabeça, abrindo um largo sorriso. Conforme ela ia tracejando os primeiros rabiscos, meus olhos se atentavam, na esperança de tentar adivinhar antes da hora o que era. Vi o começo de olhos serem formados, e logo imaginei que seria um rosto. Passamos todo o tempo em que Paulie ficou concentrada no desenho quebrando o silencio por apenas uma ou duas vezes. Ela era realmente muito boa naquilo, e a maneira como se concentrava só  mostrava o quão a sério ela levava os traços que ali fazia. Me peguei pensando que só vira ela concentrada daquela forma em só uma outra coisa: esgrima. 

"- Aqui está!" Paulie riu, e finalizando o desenho, me mostrou, logo esticando para que eu pegasse. "...e então, Liz, qual é o seu talento?!"

Sorri, por um instante sem jeito. "- Bem...além do violão...eu toco piano também e....mas...eu não costumo.." Tentei começar a dar desculpas, mas ela interrompeu, e quando percebi P. estava em pé, esticando a mão em minha direção. Não tive muita escolha, senão aceitar a mão e me levantar.

"- Você vai tocar pra mim, né?"

"-....ahhhh, P., faz tempo e...."

"- Nem inventa, Liz, vamos lá...vou te levar para a sala de música!"

Concordei com a cabeça, vendo que não teria escapatória. A sala de música não era muito mais longe, na verdade só precisamos sair da sala de Artes e subir um andar de escadas. 

Quando adentramos a aquela sala repleta de instrumentos, perdi ar e senti um aperto no peito, principalmente quando meus olhos pararam no piano...tão parecido com o que eu tinha em casa....Não, aquela era minha casa agora! Me corrigi mentalmente.

"- Piano ou violão?" Indaguei, olhando-a.

"- Eu quero que você escolha!"

Assenti com a cabeça, me encaminhando para o piano. Era dos instrumentos o meu favorito desde sempre. Virei a chave que travava o piano, levantando a capa, e observando cada detalhe perfeito do instrumento. Tirei a flanela que cobria as teclas, e tirei o pó, uma a uma, com o mesmo ritual que costumava fazer com o meu. Apoiei por fim a flanela no alto da capa, e sentei no banquinho giratório. Meus dedos encostaram calmamente no piano, e suspirei.  Não estava só nervosa por estar tocando depois de algumas semanas de abstinência, estava nervosa por também ser Paulie ali avaliando. Toquei levemente as teclas, nas primeiras notas, mordendo meu lábio inferior de nervoso e na seguida fechando os olhos, chegando a conclusão de que seria muito mais fácil encarar aquilo de olhos fechados. "- Like a freeze-dried rose, you will never be, what you were, what you were to me in memory. But if I listen to the dark, you'll embrace me like a star." Minha voz foi se juntando aos poucos as notas que eram tocadas. Mantinha a voz baixa, parte porque gostava mais dela assim, e parte por ainda estar tímida."- Envelope me, envelope me... If things get real for me down here, promise to take me to before you went away. If only for a day, If things get real for me down here ..Promise to take me back to the tune we played before you went away." E conforme a música ia encaminhando, eu ia ganhando mais coragem, mais forças para abrir os olhos, e encará-la ali do outro lado. Paulie parecia estar mais perto do que eu me recordara da hora em que fechei os olhos, mas isso não me fez recuar, fez eu sorrir, e me instigou a continuar a tocar, vagando minhas mãos com habilidade pelas teclas. "-And if I listen to, the sound of white sometimes I hear your smile, and breathe your light....Yeah if I listen to, the sound of white. The sound of white, the sound of white, the sound of white..." A medida que fui parando, Paulie foi se aproximando com um sorriso nos lábios. Não importava o que viesse a seguir, ver ela sorrir me fez perceber que eu não precisava temer tocar...pelo menos não para ela.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

"E o que o ser humano mais aspira é tornar-se ser humano."




24 de abril de 2012


Corri os olhos para cada um naquela sala. Era como se pouquíssimas pessoas dali tivesse uma mente que se salvava. Nerd se confundia com idiota, e idiota se confundia com muito esperto. Esta era minha conclusão, depois de poucos minutos da aula de Sociologia ter começado. Paulie cochichou para mim, enquanto uma das meninas,que eu se quer me lembrava o nove, tomava a frente da discussão sobre Direitos Humanos. "- Como se ela fosse muito humana né?! Só consegue se importar com a marca da tinta que passa na cara..se isso é ser humano, eu sou mais que ela então." Ri baixinho, e P. piscou para mim ao me ver rir.

"- Você é humana!" Retruquei baixinho de volta, na distração da professora.

"- Você me entendeu." Paulie fez uma careta, ela tinha essa insistente mania de falar coisas sérias e depois  emendar em uma brincadeira qualquer. 

"- Você também me entendeu..." Respondi, franzindo o nariz para ela em uma careta de volta.

"- Senhorita Oster e senhorita Campbell!" A professora chamou nossa atenção, e imediatamente me endireitei na cadeira. Vários dos olhares da sala se mantinham atentos em nós agora, dentre eles o de Tori, desviei discretamente o olhar, observando P. de canto para ter a certeza de que ela estaria  bem com aquilo. Ela pareceu não se abalar...ultimamente andavam assim, parecia que não se falando. Me perguntei por um instante de Tori havia percebido algo entre a gente, mas logo afastei a ideia de minha mente, uma vez que só acontecera de fato alguma coisa ontem...e bom, eu tinha a certeza de que ontem Tori não havia voltado ao quarto.

"- Sim, professora?" P. que respondeu de volta a professora, porque eu nunca teria tanta cara de pau, ainda mais com todos ali nos olhando, já sentia meu rosto ferver só de estar quieta...imagina falando.

"- Vocês me parecerem muito bem sintonizadas...o que acham de nos contar um pouco sobre os Direitos Humanos?!" Ela lançou em tom de desafio, e imediatamente P. olhou para mim. Apenas dei de ombros, não tinha problema com discussões sociais. Ela indicou com a cabeça, pedindo para que eu começasse.

"- Já dizia Albert Einstein: O mundo é um lugar perigoso de se viver, não por causa daqueles que fazem o mal, mas sim por causa daqueles que observam e deixam o mal acontecer.  A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi proclamada em 1948, e talvez este seja um dos documentos essenciais que marcaram a transição para a era da Modernidade. Porém...muito que lá se diz não é cumprido, exatamente pelo que Einstein coloca....as pessoas vivem, vivem e vivem acomodadas, observando os acontecimentos diante de seus olhos, são poucas as que realmente fazem algo além de existir." Olhei para o círculo formado ali, para cada aluna e para a professora. "- Acho que só quando levantarem, com o perdão da palavra, a poupança da cadeira é tomarem alguma iniciativa os Direitos Humanos poderão ser finalmente compreendidos e aplicados....até lá...

"- Até lá continuaremos a viver nesse mundo medíocre de  seres robôs, que acabaram perdendo a principal coisa que nós tornam humanos: sermos seres racionais..." Paulie me interrompeu, e como de costume polemizou ainda mais a aula. Tenho que dizer que para aula de Sociologia somos quase uma dupla invencível.

"- Você viu?! Conseguimos deixar eles sem argumentos de novo..." Ela exclamava empolgada, conforme íamos tomando rumo distinto das outras alunas que saiam da sala.

"- Você gosta de criar confusões na sala mesmo, né?!" Ri, seguindo-a, sem saber exatamente onde estávamos indo, mas não me importando com isso.

"- Só assim eu tenho a esperança de um dia algo mudar." Ela disse, parecendo um pouco mais séria do que o normal.

"- Não acredito em mudanças...não deste tipo, o tolo será sempre tolo..." Dei de ombros, sem a mínima vontade de batalhar para mudar a cabeça de alguém.

"- Mas e o ideal, Lizzie?...que você acabou de comentar na aula, cadê?" 

"- O querer e o ter são coisas tão diferentes, P...."

Paulie apenas suspirou, como se tivesse entendido naquela exato momento, mas não parou de andar, ela continuava caminhando, a passos apressados, na direção que eu já estava reconhecendo. Estávamos indo para a floresta. Mantive meus passos ainda mais apressados que os dela, pelo simples fato de não conseguir me manter com largas passadas, e por isso, na maioria das vezes ficava para trás.

Sentamos em um tronco, e permanecemos em silencio para alguns instantes, como se a aula tivesse nos esgotado as palavras. Cortei o silencio alguns minutos depois.

"- Não sei porque ainda fico surpresa por você me trazer para a floresta..." Ri, ainda estava relaxada pela noite não ter caído completamente.

"- Está dizendo que eu não te surpreendo?!" P. arqueeou uma das sobrancelhas para mim, e minha cabeça se confundiu por alguns instantes.

"- Não.... Não! Não é isso é que..."

"- Porque você me surpreende..." Ela disse, me surpreendendo. 

"- Ok, agora você conseguiu!" Eu ri, sem jeito.

"- Você sabia disso, não sabia?!"

"- Do...que exatamente?" Perguntei, sem ter a certeza de meus entendimentos.

"- De ontem, Lizz..." Ela disse, rindo, e pensei se ela fazia isso só para me deixar ainda mais sem jeito.

Senti meu rosto ferver, de tão vermelha que eu havia ficado, e dessa vez se quer tinha travesseiro para esconder a cara.

" - Vamos lá, sua boba, só estou brincando..." Ela  encostou o ombro contra o meu, como se me cutucasse.

"- É...só que...." Comecei a falar, mas parei, porque P. me interrompeu.

"- Só que nada! Ainda somos P. e L., certo?!"

Concordei com a cabeça.

"- Quando..." Paulie começou a falar, mas fez uma pausa. Minha atenção estava nela, já que havia baixado o tom de voz, e eu sabia que ela não era de fazer isso. "-...a transformação concluir...ainda..."

Mas foi minha vez de interrompê-la.

"- Ainda seremos P. e L.!" Afirmei com toda a certeza e completei segundos depois. "- ...nada vai mudar. "

Ela sorriu, parecendo mais conformada, mas então, um barulho no meio da mata me fez desviar a atenção de Paulie. 

"- Você ouviu?" Perguntei, receosa de que eu estivesse enlouquecendo e ouvindo coisas, mas P. concordou com a cabeça, e a vi empinar o nariz, como se estivesse farejando algo....e de fato eu acho que ela estava, todas essas coisas de sensitivo dela ainda me pegavam de surpresa. "- Você sabe o que..." Mas ela segurou em meu braço sem força, pedindo para que eu ficasse calada. Se levantou, e pediu para que eu me aproximasse. Fui, apesar de com receio, mas então, com a parada súbita dela, fui direto com o rosto na altura de suas costas. "- Ai P...." Mas parei meu resmungo assim que diante de meus olhos vi o motivo pelo qual ela havia parado. Era um felino, e não do tipo gatinho de estimação, era uma onça, toda encorpada...toda predadora. Dei um passo para trás. "- P....isso é...é.... ai meu todo poderoso santinho!" Gaguejei, e então tomei forças para falar, mas mesmo assim minha voz saiu chorona. "- Vamos embora...por ...." Mas Paulie parecia não me ouvir, porque fazia o contrário, ela ia de encontro com a onça, como se tentasse fazer amizade. "- PAULIE, VAMOS!" Berrei com uma autoridade que desconheci que fosse minha. Apertei os olhos quando a vi ameaçar a acariciar a cabeça do felino. Comecei uma prece mental para que Deus tivesse piedade de você, apesar de suas loucuras.

"- Venha, Lizzie...se aproxime também..." Paulie me chamou, mas eu mal abri os olhos, só consegui ver por entre frestas que o animal não parecia querer carinho, e sim nos enxotar de lá, pois impacientemente empurrava a perna de P. para que ela viesse em minha direção.

"- Vamos embora P...pare de abusar da sorte..." Eu insistia, enquanto fui abrindo os olhos por completo. "- ...ela nos quer fora daqui..."

"- Não, Liz, ela não nos quer fora....ela só nos quer seguras." Não entendi o que Paulie quis dizer, muito menos o porque uma onça iria nos querer em segurança, mas se eu não estivesse muito surtada no momento, diria que vi Paulie piscar para a onça.



" Sou entre flor e nuvem,
 estrela e mar.
 Por que havemos de ser unicamente humanos, 
limitados em chorar?
 Não encontro caminhos fáceis de andar. 
Meu rosto vário desorienta as firmes pedras 
que não sabem de água e de ar. "

quarta-feira, 25 de abril de 2012

“Sou um coração batendo no mundo.”




23 de abril de 2012

"- Para que possa existir um sistema ecológico, ou um ecossistema, são necessários que hajam fatores abióticos (seres autótrofos), como por exemplo as plantas, que são capazes de produzir seu próprio alimento...e...blábláblá."  Conferi meu relógio de pulso mais uma vez enquanto o professor de biologia tagarelava lá na frente. Só haviam se passado cerca de três minutos, desde a última vez que eu conferira o relógio. A matéria não era chata, longe disso, mas com certeza minha mente estava saturada daquele assunto quando haviam outras coisas ocupando-as. Como por exemplo, os malditos de meus pesadelos que haviam voltado. "- As dimensões de um ecossistema podem variar consideravelmente..." Guardei meu material na mochila, e deixei a sala, atordoada por não conseguir raciocinar direito, nem a respeito da matéria, nem a respeito do que estava me incomodando.

Os corredores estavam desertos, isto porque a maioria dos alunos estavam em aula...eu devia estar em aula. Respirei fundo, caminhando em direção a meu dormitório. "- Não Lizzie, você não deveria estar em aula, não tem uma noite de paz há no mínimo uns cinco dias." Eu tentava me convencer, com múrmuros quase inaudíveis a mim mesma. Mas ainda sim sabia que eu me sentiria culpada. Cheguei no quarto em questão de poucos minutos, não gostaria de encontrar ninguém e ter que dar explicações. Afinal eu só havia saído da sala vinte minutos antes daquela tortura acabar...existiam pessoas que nem iam as aulas. Por que eu devia me preocupar afinal?! "- Ai cala a boca, Elizabeth!" Resmunguei para mim mesma, fechando a porta do quarto, e largando minhas coisas no chão, próxima a minha cama. Peguei uma de minhas toalhas de rosto bordadas e segui para o pequeno lavabo que tínhamos no quarto. Os flashes dos pesadelos pareciam ocupar cada vez mais minha cabeça. Joguei água fria no rosto, lavando-o, na esperança de que aquela terrível sensação fosse embora pelo ralo junto com a água. Mas nada pareceu surtir efeito. Ouvi a porta do quarto se abrir. Fechei os olhos numa rápida prece para que não fosse a diretora. Do contrário, ouvi.

"- Liz?!" Era a voz de P., sai do pequeno lavabo com a toalha de rosto em mãos, mas nada disse, até reparar no estado dela. Tinha um ar de preocupação, mas ela parecia estar muito mais irritada do que preocupada naquele momento.

"- O que aconteceu, P.?" Perguntei, preocupada, na esperança de poder ocupar minha cabeça com problemas alheios, só pra variar um pouco  e não pensar nos meus.

"- Eu que pergunto, Li..." Vi seu tom de irritação ir sumindo, e a preocupação ir aumentando. "- Você saiu mais cedo da aula de Biologia...você nunca sai mais cedo, quer dizer era uma aula né, o que você tem?!" Ela se aproximou, e eu percebi que havia sido o contrário, ela estava trocando seus problemas pelos meus.

"- Ah..." Tentei soar despreocupada, mas tive a certeza de não consegui. "-...bom...são aqueles pesadelos sabe?! não tem me deixado dormir..."

Paulie me interrompeu. "- Vem, vamos dormir agora!"

"- Que?" Perguntei, sem entender.

"- Você precisa descansar, Lizzie, ou vai surtar...vamos, você deita e eu vou estar do seu lado, se algum desses pesadelos te atingir...eu vou estar ao seu lado para te ajudar a lidar com eles, o que acha?"

"- Não, P., quer dizer...não sei...eu tenho medo de pegar  no sono...e..." Eu andava com receio até de piscar os olhos, quanto mais dormir. "- e os seus problemas?...você parecia não est..."

Ela me interrompeu novamente. "- Não tenho problema nenhum. Vamos lá, Lizzie, uma coisa de cada vez...você deita...quando se sentir pronta para fechar os olhos...fecha...e quando achar que consegue dormir, se entrega ao sono...o que acha? É fácil, não é? Mais fácil que decorar a fórmula  de F= M.A de Física, hein?!" Ri do exemplo dela, e da maneira como ela tentava simplificar as coisas para mim dando exemplos mais perto da minha realidade. Mas a maneira que ela colocou as coisas pareceu realmente simples. Concordei com a cabeça, e segui até minha cama, sentando primeiro na beira e ficando descalça para só então deitar na cama. Deitei de lado, com as costas encostadas na parede, para que conseguisse dar espaço e ficar de frente a ela.

Paulie sentou na ponta de minha cama, tirando também os sapatos, e então deitou-se de frente para mim. A cama de solteiro, de pouco espaço, fazia com que não ficássemos muito distantes uma da outra, mas eu me senti segura daquele jeito.

"- Pensa no que te faz bem..." P. sussurrou, e no mesmo instante, eu não sei porque, um sorriso nasceu no canto de meus lábios, e levei minha mão para cima da dela, como uma criança que buscava segurança. Continuei a encarar os olhos dela, assim como ela fazia com os meus. "- Vai ficar tudo bem, Liz..." Ela disse, ainda baixinho, acariciando meu rosto. E eu achei, que com Paulie ao meu lado, eu poderia tentar...e talvez até conseguisse. Fui fechando os olhos, seguindo os conselhos que ela me dava, sobre ir imaginando o lugar que eu achava perfeito...com tudo que me fazia bem. De início imaginei uma biblioteca, a municipal da cidade onde eu costumava morar, era tranquila, me trazia paz de espírito, e eu sempre fugia  para lá depois da escola, para não ter que ir direto para casa, ou algo do tipo. De repente Paulie entrou na biblioteca, o que era tecnicamente impossível, porque a biblioteca estava nos EUA e Paulie no Canadá. Ri baixinho com meus pensamentos, e então a ouvi sussurrar. "- Vamos lá, se concentre..." Concordei com a cabeça, ela estava certa, eu deveria me concentrar. Mantive os olhos fechados, mas antes que eu pudesse imaginar mais alguma coisa, voltei  a ouvir a voz de Paulie. Mas não dando conselhos, ou instruções, ela cantava...e tinha a voz mais doce, mais pacífica,...que nem nos melhores musicais eu encontraria. Ela cantava baixo, mas cantava para mim, e apesar de estar levemente atingida pelo sono, eu sorri, mantendo meus olhos fechados para não assustá-la, de maneira a fazê-la parar de cantar. Eu ainda mantinha um sorriso abobalhado nos lábios, quando fui surpreendida de maneira a me fazer estremecer. Senti os joelhos de P., tocarem levemente nos meus. 

Abri os olhos aos poucos, encarando-a, e acho que ela acreditou que eu fosse ficar brava, ou alguma coisa assim, porque estava prestes a se afastar, então murmurei apenas movendo os lábios. "- Tudo bem..." Eu sorri, e ela sorriu de volta. "- Obrigada!" Completei, da mesma forma, e ela assentiu com a cabeça, como quem falasse "- Não há de que...". Eu não me sentia bem assim, segura dessa forma, há muito tempo, que eu não sou se quer capaz de me recordar. Ajeitei, meu rosto no travesseiro e meu corpo na cama, ficando um pouco mais próxima dela, e antes de fechar os olhos novamente, a observei mais uma vez. Mais uma vez senti aquele estremecimento engraçado, quando no movimento de me ajeitar, percebi minha perna esbarrar na dela. Estava quase finalmente pegando no sono, quando o colchão se movimentou, digo eu percebi a cama se esvaziar, Paulie afastou delicadamente minha mão da dela, e parecia também se afastar da cama com a mesma delicadeza. Estiquei meu braço, segurando a mão dela a tempo. "- Não, fica..." Pedi com a voz mole pelo sono, mas abri os olhos. P. pareceu ponderar, mas decidiu por voltar, o que me fez sorrir, desta vez ela voltou para cama, deitando-se bem próxima a mim, de maneira que eu conseguia sentir sua respiração contra meu rosto. Senti um friozinho na barriga engraçado por ela estar tão perto, mesmo tendo a impressão que o inverno do Canadá estava bem longe, pela maneira com a que sentia minha cama quente. Ela manteve o olhar na minha direção. e ficou em silencio por alguns instantes. Eu continuei encarando-a, sem saber o que aquilo significava de fato. "- O que foi, P?" Perguntei em sussurro. 

"- Nada..." Ela fez que não com a cabeça. "- Só estava....pensando." P. fez uma pausa estranha na segunda parte da frase.

"- No que?!"

Paulie pareceu não certa se devia ou não falar, mas depois de alguns segundos ela perguntou. "- Ele transou com você, Lizzie?!"

Me remexi na cama desconfortavelmente, e vi ela se arrepender da pergunta no mesmo instante. 

"- Não...não responde!" Ela se apressou.

"- Tudo bem...P..." Respirei fundo, e apesar de não gostar de falar nisso, eu confiava nela. "- Não...ele nunca chegou a ....sabe...." Olhei-a para ter a certeza que ela entendia, porque eu não era de falar nada relacionado a sexo. "-...mas ele me obrigava a algumas coisas...que...." Fiz cara de repugnância. 

"- O que você sente por ele?...digo...raiva? nojo? pena?" Fiquei pensativa a esta pergunta dela, como se procurasse e analisasse qual a melhor, digo a pior, palavra para descrevê-lo.

"- Serve todas as alternativas acima?" Perguntei, com um sorrisinho de canto, como se encarasse aquilo como mais uma prova, estava quase tudo superado...menos os pesadelos.

Paulie concordou com a cabeça. "- Então é a alternativa D, todas as alternativas acima!" Ela sorriu e eu tive certeza que era um sorriso para me dar forças, encostando a ponta dos dedos em meu rosto, numa carícia. "- Lizzie..." Ela voltou a falar.

"- Hum?" Levantei minhas orbes para observá-la nos olhos novamente.

"- Posso fazer outra pergunta?" Concordei com a cabeça no instante que ela disse, e P. prosseguiu. "- Você é...virgem, né?" A percebi tomar cuidado com as palavras que usava para me perguntar, e sem responder em voz alta, fiz que "sim" com a cabeça.

Ficamos em mais um silencio, apenas nos observando, até que a vi sentar. 

"- O que foi, P.?" Perguntei, estranhando.

"- Eu acho que devia mesmo ir para minha cama..." Ela confessou, encarando a coberta da cama.

"- P-p...por que?" Entendi menos ainda.

"- É que se é diferente...digo..." A vi se confundir com as palavras, coisa que não era comum a ela. "-...vou ser sincera...eu penso em você às vezes sabe....e aqui...bom, não vou mentir, eu senti tesão..." Ela desembuchou as últimas palavras, o que me fez arregalar os olhos e ficar ali imóvel, como se procurasse a melhor resposta. Tudo na minha cabeça estava confuso, porque quando minha perna esbarrava na dela, ou eu sentia sua respiração em meu rosto, eu também sentia uma coisa diferente...e...bom eu não sabia exatamente como era aquela sensação, então...

"- Seria errado eu afirmar que também senti algumas....coisas?" Quando me toquei eu já tinha falado, e ela me encarava tão surpresa quanto eu havia ficado quando ela me disse. Perdi o ar, por não saber o que fazer, se existisse uma maneira de fazer um buraco em minha cama e me enfiar dentro, com certeza eu teria feito. -...porque....sabe...- Fui me vendo complicar ainda mais as palavras, eu se quer conseguia entender minha cabeça.  Meu travesseiro foi a melhor opção que encontrei, sem saber o que fazer, afundei meu rosto nele, murmurando numa voz quase chorona, acredito nunca ter morrido de tanta vergonha na vida. "- É...é melhor você ir pra sua cama, P." 

Ouvi os passos apressados dela para o próprio lado no quarto, e a escutei entrar embaixo das cobertas, mas continuei com o rosto enterrado ali, até que fui criando forças, e passando a ficar deitada de barriga para cima, encarando o teto. Meus olhos ameaçaram duas ou três vezes olhar na direção da cama de Paulie, até realmente fazer.

"- P..." Perguntei baixinho, para ver se ela ainda estava acordada.

"- Hm?" Foi tudo que ela disse, mal olhando na minha direção.

"- Desculpa, tá?" Continuei no mesmo tom de voz, e agora tinha me deitado de lado, para que pudesse olhar a cama dela melhor.

"- U-rum"

"- P..?" Perguntei alguns segundos depois da última resposta dela.

"- Hm?"

"- Volta pra cá?!" Finalmente falei.

"- Você quer que eu volte?" Ela perguntou, surpresa.

"- Uhum..." Foi minha vez de responder sem palavras concretas.

"- Fecha os olhos que eu preciso me aprontar de volta." Ela pediu, e eu fiquei na dúvida se era uma brincadeira ou não, porque desde que eu a via conhecido, desde o primeiro dia, ela mal se importava com o corpo dele, estava sempre muito a vontade com tudo, mas era um direito, e o achei totalmente justo, deitei de volta de barriga para cima, fechando os olhos. 

"- Pronto, já fechei!" Avisei, e ouvi um resmungo e uma risada vindo dela, mas continuei com os olhos fechados, até sentí-la me cutucar. "- Aii!" Resmunguei, abrindo os olhos e dando de cara, direto com Paulie só de calcinha em pé ao lado de minha cama. Senti meu rosto ferver no mesmo instante."- Ahhhhhh! Você não se aprontou ainda" Resmunguei, puxando o lençol para  meu rosto. A ouvi rir de novo. 

"- Vamos lá, Lizzie, sou eu...Paulie, sua colega de quarto, você já me viu sem roupa, já até tomou banho no mesmo horário que eu..."- Ela me incentivava, dizendo que estava tudo bem se a olhasse, mas eu continuava com o lençol no rosto, até que ela o puxou.

"- Eiii!!" Resmunguei, mas desta vez não fechei os olhos, apesar de ficar olhando em uma direção qualquer, menos na dela.

"- Lizzie, olha pra mim!" Fiz que não com a cabeça. "- Lizzie, olha!" Ela disse em um tom autoritário, e fui levantando os olhos aos poucos para ela.

"- Sim?" Perguntei, toda cheia de vergonha, tentando manter meus olhos aos dela.

"- Me dê uma de suas mãos."

"- Que?" Perguntei, receosa.

"- Vamos lá, Liz!" Ela insistiu, uma uma das mãos na minha direção, esperando pela minha, e foi se acomodando ao meu lado, sentando na beira da minha cama. 

Sentei também, desconfortável por estar deitada, e entreguei a mão na direção dela, afinal confiava. Mas o que ela fez a seguir me surpreendeu totalmente, digo...totalmente. Paulie segurou minha mão, levando lentamente até o seio esquerdo dela, me conduzindo. Arregalei os olhos quando percebi a direção em que ela ia, mas no instante em que senti o seio rígido embaixo da palma de minha mão, senti um formigamento ainda maior na minha região abdominal, e mordi meu lábio inferior como instinto pela sensação. Aos poucos minha mão parecer ganhar vida, e meus dedos foram se curvando, fechando-o em minha mão, sem força alguma, apenas só de maneira com que meus dedos também encostassem na pele macia dela. Estremeci, sentindo uma corrente de calor correr meu corpo de repente. "- Vamos lá, Lizzie, era meu corpo tocando em você...agora toque você em meu corpo.." Paulie disse baixo, com a voz brevemente alterada, pude perceber, e me surpreendeu mais uma vez com a frase.  

"- Posso?" Perguntei, olhando-a e ela fez que "sim" com a cabeça. Sorri de canto, e então a mesma mão que ela havia escolhido, agora acariciava seu ombro, aquela pele tão macia, que me fazia ter vontade de distribuir beijos, de reconhecer cada pedacinho. Com a ponta de meus dedos, fui afastando as madeixas que insistiam em entrar em meu caminho, indo na direção do pescoço dela, acariciando a curva do mesmo, tudo com bastante calma, sem pressa alguma, era uma descoberta que eu gostaria de fazer aos poucos, e ela parecia não se incomodar com isso. Peguei várias vezes meu olhar na direção dos olhos dela, e então, como se não conseguissem desviar, desciam, encarando a boca de Paulie. Eu queria e precisava beijá-la. Mordi meu lábio inferior, sabendo que contra alguns instintos eu não poderia lutar. Sussurrei quase ao ouvido dela, aproximando meu rosto da curva de seu pescoço, apenas para conhecer o cheiro dela. "- P..."

"- Hmm?" Ela respondeu, e pude sentir sua pele se arrepiar por baixo de meus dedos que desciam desenhando suas costas.

"- Eu quero te beijar..." Ela não me respondeu nada, mas se eu tivesse que dizer que falar que o que ela queria falar, seria: "me beije". Porque ela inclinou a cabeça em minha direção, ficando poucos milímetros de meus lábios, quando por fim, depois de ter me puxado para mais perto dela, senti seus lábios tocarem os meus, me fazendo fechar os olhos no mesmo instante. Nos beijamos por não sei exatamente quanto tempo. O gosto dela conseguia ainda ser melhor que o cheiro, e por mais que por vezes me visse perder o fôlego eu queria voltar a aquele beijo, e assim o fazia. Até que fui descendo meus lábios pelo pescoço dela, enquanto minhas mãos foram voltando a passear e conhecê-la. Desci as mãos por seus braços, desta vez chegando até as mãos, e então fui voltando e encaminhando-as para os seios em algumas carícias desajeitadas novamente. Meus olhos, que se atentaram ao rosto dela, estavam surpreendidos, com as feições e a formas que dava os sorrisos contidos, ou os gemidos que parecia abafar a bem baixinhos, comprimindo os lábios, era tudo tão harmonioso e encantador. Não  faço ideia de quanto tempo ficamos naquilo, sei que se eu pudesse eu teria parado o relógio naqueles instantes. 

"- Lizz..." Ela disse depois de muito tempo, mas não sei quanto, porque havia perdido a noção. Levantei meu rosto de sua nuca, encarando-a novamente, e sorri de canto.

"- Sim, P?" 

"- Eu preciso ir....tá?!...mas eu volto para dormir com você...você me espera?" Paulie perguntou, pegando uma de minhas mãos, e depositando um beijo carinhoso nela.

Concordei com a cabeça.

"- Eu sempre espero, P." Sorri, e de fato era verdade, eu sabia das manias dela de perambular a noite por ai, mas também sabia que eu não pegava em um sono tranquilo enquanto ela não estivesse ali. 

"- É...eu sei!" Ela sorriu mais uma vez, antes de deixar minha cama.

terça-feira, 24 de abril de 2012

“Ventos exibidos, que cantam fortes, uivantes, também desafinam...”






22 de abril de 2012

 "- Vai Lizzie, só um gole!" P. insistiu pela terceira vez, esticando a garrafinha de vidro cheia de vodka a mim.

"- Não, não...eu prefiro minha chaminé..." Resmunguei, mantendo meu cigarro recém aceso entre meus lábios.

"- Ahhh... sua caretinha!" Ela disse rindo, sempre fazia isso quando eu me referia ao cigarro como chaminé. Era como se ainda ela duvidasse que eu fumava...na verdade, até eu duvidava às vezes, mas quando parava para refletir sobre isso já estava com o cigarro na boca, era involuntário, por assim dizer.


Paulie deu uma gargalhada de repente que me fez olhá-la de forma estranha, como se eu tivesse levado um susto (o que era comum, vindo de mim). A vi levantar, e andar de um lado para o outro. Estremeci no mesmo instante, de pensar o quão perigoso era ela perambular daquela forma e naquele estado, afinal estávamos no telhado, ao que parecia era um dos lugares dela favoritos ali.


"- Não é incrível daqui de cima?!" Paulie abriu os braços, encarando todo o campus da escola dali, como se nem o céu fosse o limite para ela (...e eu tinha a leve impressão que realmente não era).


"- Sente-se, P. ...por favor!"  Pedi, engasgando com a fumaça de meu cigarro que havia se embolado em minha garganta na tensão por ver o tamanho do atrevimento dela.


"- Calma, calma, pequena Lizzie, só deixe o ar te levar...." Paulie dizia toda sorridente enquanto o vento do final de noite e início de madrugada fazia suas madeixas dançarem no ar. Paulie gargalhou, e eu fiquei ainda mais temerosa, tendo a leve impressão de que ela ficava ainda mais maluca depois de uma garrafinha daquelas. No mesmo instante milhares de equações químicas sobre a reação do etanol no organismo me invadiu a mente, eram bilhares de consequências, mas fiz questão de afastar o pensamento, porque o que interessava agora era manter P. sã e salva. A vi se encaminhar para a beira do telhado, espiando para baixo a entrada do colégio. Levantei no mesmo instante, sentindo como se meu coração tivesse parado logo na sequência quando me toquei que estava também em pé no telhado.


"- Vamos para o quarto, Paulie"! Choraminguei.


"- Calma...por que?!...a noite é uma criança...." Ela dizia as exageradas gargalhadas. Minhas pernas bambeavam conforme eu tentava me aproximar.


"- Olha!!!" Meu coração subiu até a boca com a nova exclamação de P." - Vamos lá,....ainda está acesa..." Entendi o que ela queria dizer, afinal no prédio do dormitório era o único quarto que permanecia aceso.




"- Paulie, está tarde, não vamos incomodar ninguém!" Eu tentava algum tom autoritário, mas ainda achava que estava soando mais como uma criança chorona, porque P. se quer me respondeu, ou me ouviu, na verdade ela continuou na direção da janela que estava aberta. 



"- Ei, ei, alguém ai?!" Ela perguntava já ao lado da janela. Eu estava quase próxima, havia aberto ambos meus braços para que tivesse mais equilíbrio, mas ainda sim temia, ao mesmo tempo que tentava manter o cigarro entre meus lábios. "- Vamos lá, apareça, temos bebida e cigarros! " Ela anunciava, tentando mais uma vez, até que finalmente houve resposta.


"- Quem está ai?!" Uma menina perguntou de dentro do quarto, e aos poucos fomos conseguindo ver seu rosto. 


"- Aliana!!" Paulie exclamou animada na mesma hora que a viu, e eu deduzi que elas já se conheciam.


"- Vamos lá, entrem!" Ela convidou, e Paulie não pensou duas vezes, já estava com as pernas dentro da janela, enquanto eu, tentando ser sensata tentava ponderar na melhor maneira de entrar pela janela sem acabar tendo uma queda de sei lá quantos metros.


Quando consegui entrar, as duas já conversavam como se tivesse se conhecido de longa data. Paulie terminava a garrafa que tinha em mãos, e eu fora obrigada a apagar o cigarro e dar um fim nele, já que eu tinha respeito pelos quartos alheios e dava o direito das pessoas não gostarem de fumaça....sei lá né, vai saber. 


"- Ali, essa é Lizzie...minha colega de quarto..." Paulie apontou para mim, e eu, timidamente, levantei um dos braços em um aceno contido. "- Lizzie, está é Ali, a conheci em um pub, em uma das minhas fugidas do colégio..." Revirei os olhos com a irresponsabilidade de P., mas vi Aliana me cumprimentar com um breve gesto afirmativo com a cabeça. "- Quer bebida, Ali?!" P. foi direto a assunto, e eu continuei no canto do quarto, ao lado da janela, distraída com os inúmeros livros que a menina parecia ter.


"- Não, não, obrigada, Paulie!"  Aliana agradeceu, completando logo. "- Estou com os remédios...sabe..." P. concordou no mesmo instante, parecendo compreensiva e de que estava a par de tudo, a vi então matar o último gole de bebida. Mas ainda sim eu estava curiosa. Remédios....remédios envolviam Química, e Química tinha tudo a ver comigo....vamos lá Lizzie, você não vai perguntar...você não vai...


"- Remédios?!" Me ouvi perguntando, e querendo logo na sequência me atirar pela aquela janela por ser tão bisbilhoteira.


"- Sim, tarja preta, sabe." Ela sorriu, falando com a maior naturalidade do mundo. 


Fiquei sem expressão, sem saber o que fazer, e paralisada. A única coisa que passava em minha mente era: Você não devia ter perguntado, Lizzie, você não devia....você não devia...





domingo, 22 de abril de 2012

“Vivo no quase, no nunca e no sempre. Quase, quase ...e por um triz escapo. “




21 de abril de 2012


Já havia anoitecido quando resolvi vir para cá. Achei que a escadaria do ginásio pareceria um bom lugar para pensar, por mais que estar no ginásio, para uma pessoa como eu, que abominava esportes, era meio irônico estar ali por achar um lugar tranquilo. Mas a verdade é que a esta hora ninguém apareceria por lá, e de quebra o local era um pouco mais iluminado que qualquer canto da floresta...o que também já me fazia ficar aliviada. Eu estava na dúvida se enfrentava meus pensamentos, ou o livro que trouxera em mãos, desta vez "Sonhos de uma Noite de Verão".

Nos últimos dias uma sensação de angústia ficava me perseguindo. Quando me mudei para o internato, posso dizer que tive as primeiras duas  noites de paz, como se nada de meu passado me incomodasse, como se não houvessem mais meus rotineiros pesadelos...digo, vou ser mais clara, como se os pesadelos e flashes que tinha da época que meu pai abusou de mim estivessem muito longe, porque realmente, eu estando no internato ele não poderia fazer mais nada. Mas então, quando eu achei que estava curada, e que tudo estaria bem, os pesadelos voltaram e junto com ele as noites de insônia. Se o desgaste fosse apenas físico eu não me importaria, mas era bem mais que isso, era desgaste psicológico. Eu não aceitava bem, nem acho que um dia irei aceitar, tudo o que passei, pelo simples fato de...

Meu celular vibrou no bolso de minha calça jeans. Quem poderia me procurar a uma hora destas?! Eu nunca recebia telefonemas.Tirei o telefone do bolso e o visor indicava "Paulie". Suspirei, tinha que manter minha voz normal,  e apertei o botão  de receber chamada, levando o aparelho ao ouvido. "- Paulie?"

"- Onde você se encontra, criatura? Estou há uns vinte e cinco minutos batendo perna no colégio inteiro atrás de você!" Ela retrucou do outro lado da linha.

Respiro fundo antes de responder. "- Eu estou...eu estou..." Comecei a dizer. Meus olhos encaravam a capa do livro. "- Eu comecei a querer enfrentar meus medos...comecei por sair na escuridão sozinha, tô na...." Mas então eu parei de falar assim que ouvi sua risada. Levantei meus olhos e não precisei de muito esforço, logo vi você correndo em minha direção. Em poucos segundos já estava sentada do meu lado, e em mãos trazia um envelope.

"- Ira total!" Paulie me disse, e eu dei risada. Observando os novos trajes dela. Uma blusa preta, uma bermuda estilo surfista, tênis e na cabeça um boné, também preto. Dei uma risadinha. 

"- Onde é a praia?!" Brinquei com ela, que logo me mostrou a língua. Indiquei com a cabeça para o espaço ao meu lado na escadaria, como se pedisse para que Paulie se sentasse. Ela entendeu o recado, e se acomodou ao meu lado.

Paulie segurou a correntinha que havia ganhado na noite anterior de Julia, e me indicou, como se quisesse me provar que estava sendo responsável em usá-la. 

"- Isso mesmo, não me obrigue a ter que ficar te obrigando a fazer as coisas!" Brinquei mais uma vez, eu estava aprendendo a ser brincalhona. 

"- Eu vou ser treinada, Lizzie..." Paulie me pegou de surpresa de repente.

"- Que? Como assim?!" Minha atenção estava toda voltada para ela agora. Queria entender que história era aquela.

"- Julia...ela vai me treinar...fui chamada na diretoria já..." Paulie mordeu o próprio lábio inferior antes de continuar, como se hesitasse em continuar. "- Adivinha quem já sabia de tudo?...o tempo todo...M. Vaughn....a reunião hoje foi entre eu, Julia e ela..e bom...Julia disse que me teria como aprendiz...e.." Paulie havia agora aberto um largo sorriso, como se não houvesse noticia melhor, e de fato não havia, nada melhor do que ela ser treinada por alguém que confiava.

"- Você vai ser treinada?" Repeti, para entender o real significado da palavra, e de repente uma coisa me passou pela cabeça, me enchendo de medo. "...mas você não vai ter que sair do colégio, né?!"

Ela pareceu pensar uma ou duas vezes antes de me responder. "- Bem...sabe que eu não perguntei isso? Mas eu levei broncas como sempre, assisti aula como sempre...acho que nada mudou..." Paulie deu de ombros como se não se importasse muito. 

"- Você abusa da sua sorte, sabia?!" Disse a ela, me referindo ao fato de cometer tantas faltas as regras da escola. Ela concordou com a cabeça, exibindo um sorriso sacana. "- E o que é isso?" Perguntei, indicando com a cabeça para o envelope que ela trazia. 

"- Abuso mesmo, não tenho nada a temer!" Ela diz, toda cheia de si. O que faz com que eu revire os olhos e segure na base do boné dela, deixando-o de lado, e rindo ao vê-la encarnar o raper assim que eu mudei o boné de posição.

Revirei os olhos, resmungando em brincadeira. "- Boba!" 

Paulie mostra a língua, me entregando o envelope. 

"- Tem certeza?!" Eu perguntei, não era de ler a carta dos outros. Mas P. concordou, então eu tirei a carta com cuidado do envelope, lendo as poucas palavras.

"Pauline, 
seu pai está reclamando que não tem escrito mais, tampouco telefonado. 
O que está acontecendo?! Tem exatamente dois dias para nos ligar, não fazendo, estamos indo aí. E se prepare para a bronca!
Janet Oster."

Li as frases, se quer demonstravam afeto como uma carta de familiares, ainda mais de pais, deveria mostrar.

"- Sinceramente, acredito que se houvesse o troféu "Pais do ano", não sei qual dos nossos queridos que ganhariam..." Disse em ironia, o que fez Paulie rir. Ela sabia de toda a história sobre meu pai. Dobrei a carta, guardando-a no envelope, e devolvi a ela, que logo amassou a carta guardando no bolso da bermuda. Então, mordi meu lábio inferior, hesitando se confessava, mas acabei por falar, em tom mais baixo que o normal. "-...se quer saber, acho que estou melhor aqui..." Parei de falar, escolhendo se deveria continuar. Suspirei, P. continuava olhando em meus olhos. "-...apesar dele me assombrar às vezes durante a noite..." Baixei o olhar para o livro em meu colo, não gostava de ser quer pensar nisso.

" Como assim, Lizz?" Ela quis saber mais sobre minha confissão.

Suspirei, de uma forma dolorida emocionalmente, mais uma vez antes de continuar. Não tocava naquele assunto desde que havia chegado no local, e confessado a ela, mas era algo que vinha me perturbando durante as noites. "Em pesadelos, sabe?....assim como eu costumava ter quando eu morava lá, não existia se quer uma noite que eu não passasse por tudo de novo em sonhos..." Parei de falar por um instante, era difícil demais, e sentia meus olhos arderem, com o acúmulo de lágrimas que eu tentava segurar. "...e nos últimos dias voltei a tê-los, sabe? Por isso estou tentando mudar algumas coisas...na esperança que isso mude junto..." Voltei a encará-la apenas no final.

"- N-nossa..." Percebi ela gaguejar, e então ela tirou o boné e o colocou em minha cabeça, o que fez imediatamente que eu a olhasse com uma caretinha. Eu não usava muito bonés, no máximo boinas ou gorros no inverno. "- Você precisa de alguém para gritar esses fantasmas pra longe? Porque se eles chegarem perto de você, vão conhecer a Ira total de Paulie Oster..." A maneira como ela disse, bravamente, mostrando que me defenderia, fez com que roubasse um sorriso de meus lábios, mas então ela ficou séria, e eu também. "- O que aconteceu com seu pai....é isso que você revive?!"

Concordei com a cabeça, sabendo que cedo ou tarde, um dia eu teria que me abrir e contar o que acontecera. Escolhi primeiro as palavras, cuidadosamente, por acreditar que não seria fácil para quem escutasse, assim como para mim que contava. "-..eu tinha por volta de dez ou onze anos quando aconteceu a primeira vez, ....que ele abusou de mim..." Especifiquei, mas no momento em que disse, senti uma pontada no peito, como se uma espada ali tivesse sido cravada, da mesma maneira que senti quando entendi o que ele tinha feito. "-...eu sabia que não era certo, e era doloroso para mim ...mas ao mesmo tempo quem acreditaria em uma criança? era a minha palavra contra a do reverendo...e...." Dei de ombros, permitindo que a aba do boné fizesse sombra em parte de meu rosto. Algumas lágrimas rolaram, mas corri a enxugá-las com a manga do blusão. 

"- Lizz..." Primeiro ela disse, sabia que ela me encarava, mas eu do contrário continuava a olhar o livro. "- Lizz..." Ela chamou mais uma vez, e entendi que ela queria que eu a olhasse. Desviei meus olhos do livro, encarando-a. Só então Paulie voltou a falar. "- Nós faremos com que essas lembranças fiquem guardadas onde elas tem que ficar, está bem?!" P. tentou me dar forças. "-...até que elas se apaguem de vez."

"- Eu tento fazer com que elas fiquem no canto que devem estar...mas eu não posso controlar meus pesadelos....e..." Virei o boné para trás, para que a aba não me impedisse de conseguir encará-la. "...acho que a única forma de superar o passado é aceitar o que aconteceu...mas...eu...só não sei quando isso vai ser..."

"- Você disse tudo, garota!!" Paulie abriu um largo sorriso, orgulhosa. "- ...temos que aceitar nossas condições, não vê eu? Sou um monstro, que suga pescoços e tô aqui...sorrindo, temos que encarar tudo de frente!"

Ela estava certa sobre encarar tudo de frente, mas nem de perto concordava com a história dela ser um monstro. Levei no mesmo instante minha mão ao braço dela, apertando-o sem força, em forma de repreendimento. "- Não fale assim de você."

Paulie pareceu ficar surpresa, pareceu querer falar alguma coisa, e por um instante não entendi o que ela faria, até que fui surpreendida pelo abraço, me perguntei então se ela estava tão apavorada quanto eu com tudo aquilo. Eu não era muito fã de abraços, ou demonstrações afetivas, mas desta vez foi como se eu precisasse daquele abraço. Correspondi de imediato, e fechei os olhos, tentando não exatamente esquecer tudo, e sim encontrar forças para encarar tudo. "- Obrigada pelo abraço, Paulie..." Sussurrei a ela, sem ainda querer abrir os olhos, foi como se o abraço tivesse vindo na hora certa. 

Sinto o abraço se apertar mais, mas não de uma forma a machucar, e sim de uma forma gostosa e acolhedora. Sinto também a mão dela alisar minhas costas devagar, afagando-as e só então escuto o sussurro dela  com a voz embargada em lágrimas. "- Eu adoro você, garota,....adoro!" Sorrio de imediato, me sentindo tão protegida como nunca.
 

sábado, 21 de abril de 2012

"Já que se há de escrever, que pelo menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas."




20 de abril de 2012


"Eii, Lizzie, Lizzie, espera!" Reconheci a voz de Paulie no mesmo instante. O dia praticamente já havia corrido quase por completo, já estava anoitecendo, e mal tínhamos nos falado. Parei de andar, me virando e observando ela apressar os passos em minha direção. "Obrigada, por ontem! Você saiu bem..." Ela exibia um sorriso e estava reluzente. " ...com o negócio de mentir...e tals..."

Sorri de canto, sem muito ânimo, mas não soube distingui se estava daquela maneira por ter mentido para a diretora na noite anterior, ou por não ter contado como tudo ocorrera, e como eu conseguira despistar a diretora para ela quando cheguei depois no quarto, pois Tori já estava lá. Apenas respondi. "- Não foi nada, P." Foi tudo o que eu disse e me preparei para voltar ao caminho quando ela me interrompeu, provavelmente percebendo a  maneira como eu agia.

"- Eii, de verdade, obrigada...eu sempre soube que podia contar com você!" Ela insistiu e por um instante achei que ela ia me abraçar, e me preparei para hesitar, dar um passo para trás. Mas ela não abraçou, como se adivinhasse que eu daria um passo para trás. Talvez P. me conhecesse melhor do que eu imaginava.

Dei de ombros, ainda falando da mesma forma. "- Já disse...não foi nada! Er...eu vou..." Indiquei pelo caminho que eu pretendia seguir, e P. concordou com a cabeça, como também não soubesse o que falar. Virei e dei alguns passos, talvez mais apressados do que eu deveria, e quando estava quase na metade do corredor, ouvi meu nome mais uma vez.

"- Lizzie..." Ela me chamou em tom o suficiente alto para que eu ouvisse, e pensei duas vezes antes de me virar, mas assim o fiz. Paulie continuava no mesmo lugar, parada e me observando. Não respondi nada, ela entenderia que só por olhá-la já estava esperando o que ela tinha a dizer. A vi diminuir o espaço entre nós, desta vez devagar, sem corridinhas como antes, como se também hesitasse. Parou a minha frente, e me encarou, e por um segundo achei que ela nada diria, e eu voltaria para meu caminho, então a vi abrir a boca para falar, e decidi que seria melhor aguardar. "-...o nome dela é Julia..."

"- Que?" Perguntei, sem entender sobre o que ela falava.

"- Sabe...a vampira..." Ela baixou o tom de voz, analisando os corredores antes de continuar. "-...que cuidou de mim. Eu consegui entrar em contato com ela...e...." Ela fez uma pausa, encarando meus olhos. Eu pensei em desviá-los,  mas não consegui. "...eu quero que você esteja comigo quando eu for encontrá-la..." Paulie sorriu, e pela primeira vez vi um sorriso tímido no rosto dela. "..e assim, eu combinei hoje....na verdade, daqui há vinte minutos..." Vi seus olhos se desviarem para o relógio redondo pregado na parede do corredor, e um riso seguir. Acompanhei-a no riso.


"- Tem certeza?" Perguntei, continuando a encará-la. "- Porque talvez devesse ser algo que você precisasse fazer sozinha..."


"- Eu quero você lá. É só você querer estar lá também." Ela deu de ombros, com aquela maneira de simplificar tudo.


"- Tudo bem...eu vou." Anunciei, sem conseguir evitar de sorrir. Era bom saber que ela me considerasse importante a ponto de me querer lá quando fosse rever a moça.


Paulie sorriu, e murmurou um "obrigada" apenas movimentando os lábios. Concordei com a cabeça, e só quando passamos a andar, uma do lado da outra em direção a saída do prédio, parei para pensar. "- Eiii...isso significa a floresta?" Disse desconfiada.


Ela riu, e então me respondeu. "- Onde mais você pretendia encontrar uma vampira, Lizzie?"


Fazia sentido, e por um instante me senti estúpida, mas só dei de ombros, enquanto saíamos do prédio dos dormitórios e seguíamos para a floresta. Procurava sempre me manter atenta ao caminho, de barulhos a morcegos, tudo me assustava, e pensar que havia uma vampira solta ali, que a qualquer instante viria até nós, me assustava mais ainda. Paulie deve ter percebido minha tensão, porque quando estávamos já na floresta e no meio do caminho, ela disse. "- Tá tudo bem Lizzie, eu tô aqui, lembra?" Nos olhamos e eu concordei com a cabeça, mas ainda sim sentia cada músculo de meu corpo contraído em tensão. Ou estava muito na cara, ou ela me conhecia muito. Porque não mais que alguns minutos depois, senti Paulie roçar o braço no meu durante a caminhada, e a olhei algumas vezes, não por estar brava, mas estranhando aquele contado, e a vi sorrir de canto ao perceber as vezes que eu a olhava. Sacana. Pensei comigo mesma, já que ela sempre fazia aquela cara quando eu estava quase morrendo de tanto medo. Senti por fim ela escorregar a mão pela minha, entrelaçando os dedos. Olhei no mesmo instante para ela, quando ficamos de mãos dadas e cheguei a parar de andar."- Tá tudo bem, Lizzie." Ela voltou a dizer, com mais uma risada, e sem soltar minha mão, me puxou para que eu continuasse a andar. Seguimos o resto do caminho em silencio, até chegar em um tronco no meio da floresta onde ela se acomodou. Imaginei que era para sentar ao lado dela, e assim o fiz. "- Foi aqui que eu marquei. " Paulie disse, mas seus olhos estavam esperançosos encarando a floresta, e percebi que ela podia ser mais alerta que eu, quando queria. Ela começou a me contar, como havia sido a conversa das duas pelo telefone, contou que a diretora pediu para que a tal Julia desse até aula no colégio, mas que ela havia recusado a proposta. E não sei quanto tempo depois, percebi Paulie estremecer ao meu lado, o sorriso que ela demonstrou fez eu entender tudo antes mesmo dela me falar. "- Ela está ali...Julia está ali..." Ela apontou para o meio de algumas árvores mais altas, me puxando para lá. 


A vampira estava nas sombras, e eu preferi ficar logo atrás de Paulie, como uma criança que se escondia, com receio e medo. Aos poucos, a mulher deu alguns passos em nossa direção, e conforme suas feições foram sendo descobertas, agora pela pouca iluminação que havia na floresta, pude ir reconhecendo a forma graciosa dela, assim como os livros diziam que os vampiros era. "Donos de uma beleza fora desse mundo." Me lembro da frase, que havia lido em algum destes livros sobrenaturais.


"- Olá, Julia,....é tão bom te ver de novo..." Paulie disse, sem hesitar, abraçando a mulher. Entendi que era um amparo que só a moça poderia dar, porque naquele instante era uma Paulie muito mais feliz, muito mais conformada com o que a realidade estava lhe entregando. Observei as duas, em silencio. Eu ainda tinha receio, mas era nítido o bem que aquilo fazia a P. Elas cochicharam algumas coisas, eu de onde eu estava era impossível ouvir, e então ouvi meu nome no meio da conversa. "- Julia, está é Lizzie....que eu tinha lhe falado..." Acenei timidamente de onde eu estava, sem de fato saber o que fazer. Ela acenou de volta, me cumprimentando, e começamos a conversar. Aos poucos a minha tensão ia diminuindo, ela parecia inofensiva, pelo menos ao lado de Paulie, e isso de alguma forma me acalmava. 


"- Paulie, querida, eu tenho um presente para você..." A mulher disse ao final da conversa, quando já estávamos nos despedindo e de um dos bolsos do sobretudo tirou uma pequena caixinha. Eram as jóias mais lindas que eu havia visto. Duas jóias que, segundo Julia, protegeriam Paulie dos raios solares, permitindo que ela pudesse perambular pelo campus, já que vampiros, conforme a transformação era concluída  iam perdendo algumas peculiaridades, entre elas poder continuar a andar sob o sol. "- E Lizzie, quero que garanta que Paulie não se esqueça de usar estas correntinhas!" Ela se direcionou para mim, e imediatamente concordei com a cabeça.


"- Pode deixar, que encher Paulie com as obrigações dela é o que eu faço de melhor." Todas nós rimos e P. concordou ao final.


"- Com certeza!"



sexta-feira, 20 de abril de 2012

"Quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação."





19 de abril de 2012 


 "O que eu sinto eu não ajo.
 O que ajo não penso. 
 O que penso não sinto.
 Do que sei sou ignorante.
 Do que sinto não ignoro.
 Não me entendo e ajo como se entendesse."

A diretora, e também professora de literatura, Fay Vaughn, declamou como se fosse o eu lírio, e das primeiras palavras a última me identifiquei. Literatura sempre me fascinara, desde pequena me apeguei aos livros, porque foram, durante grande parte da minha vida de quinze anos minha grande companhia. Por eles eu podia viajar, sonhar, e ser quem eu quisesse. Cada livro eu era uma personagem nova, em um lugar novo, com uma aventura nova. 

"- O que a autora quer dizer com as singelas palavras, Florian?" A  professora indagou a uma menina de cabelo cacheado que parecia distraída com as unhas. A garota olhou para um lado, olhou para o outro, até decidir que não tinha a resposta, ou melhor até ver que ninguém sabia a resposta para soprá-la. Fay Vaughn pareceu por um breve momento decepcionada, eu podia ver em seus olhos, tão verdes quanto a grama após uma tempestade encantados pelas estrofes, assim como eu, e da mesma maneira que a professora, me revoltei que nenhum aluno ali prestasse atenção. A senhora Vaughn, ainda esperançosa, então se direcionou para outra aluna, provavelmente fazendo uma prece para que esta acertasse. "- Senhoria Morgan, poderia, por favor, responder a pergunta?" A menina fez que não com a cabeça. E eu respirei fundo, de raiva, não era tão difícil de se entender, não era um texto que exigia muito, estava na cara a resposta. Meus olhos se mantiveram atentos a professora, na esperança de que ela me chamasse. Quando os olhos da senhora passaram por mim, e eu abri um largo sorriso, ela finalmente disse. "Senhorita Campbell, por favor, mostre que ainda posso ter esperanças.."

Concordei com a cabeça, ainda com meu sorriso satisfeito, eu entendia perfeitamente o texto, ou pelo menos para mim, aquilo tinha a interpretação perfeita. " A autora vive em constante contradição, mas apesar de ela não se entender, ou entender o mundo ao seu redor, ela prefere pensar que compreende as coisas...porque não sabe se entregar a desorientação."

A professora abriu um largo sorriso, e baixou os óculos por um instante, como se pretendesse me observar melhor. Parecia satisfeita e orgulhosa, um orgulho que pareceu me tomar quase que no mesmo instante. Era difícil as pessoas sentirem orgulho de mim, ou qualquer outra coisa. Em geral eu era aquela pessoa neutra no mundo.  "- Perfeitamente compreendido, senhorita Campbell! Esplêndido!" Vi Paulie trocar olhares comigo do outro lado da sala, e sorrir, também satisfeita. Me senti por um instante como se tivesse no topo de alguma coisa bem alta. Porém, a vi também escrever algo em um pequeno pedaço de papel, e em uma distração da professora, jogá-lo em cima da minha mesa. Meus olhos se desviaram para ela, no instante em que eu estava anotando a tarefa domiciliar. Franzi a testa para ela, afinal era errado jogar papel nos outros. Pouco tempo depois, descobri que havia algo escrito no papel (eu nunca fora de mandar bilhetinhos em aula). "Invasão hoje, depois do jantar. Esteja preparada, parceira de missões quase impossíveis." Era impossível não rir do bilhete dela, assim como era impossível não controlar o friozinho em minha barriga de medo. 

A noite finalmente havia chegado. Banho tomado, jantar já na barriga, e a maioria das pessoas estavam recolhidas. Eu e Paulie estávamos apenas na espera para que o corredor fosse liberado, enquanto Tori...bom, Tori não voltava para o quarto já devia fazer uma ou duas noites, desde a última briga das duas. 

"- Acha que já podemos ir?" Ela me perguntou, e eu pedi espaço para olhar a fechadura. Estávamos fazendo revezamento na mesma.

"- Acho que sim..." Disse, mentalizando que tudo daria certo. 

Ela sorriu, e antes que saíssemos me disse em um tom um pouco mais baixo. " Obrigada, Lizzie. Você é a melhor amiga que podia ter me aparecido."

Apenas dei de ombros, como quem falasse: sempre que precisar.

Saímos sorrateiramente pelo corredor, sempre muito atentas aos arredores. Quando chegamos, finalmente a porta da sala da diretora, pude sentir meu coração ainda mais saltitante. Paulie tirou um grampo do cabelo, e habilidosamente, invadiu a sala. " Qualquer coisa tussa!" Ela me relembrou,e eu concordei com a cabeça. Enquanto P. estava lá dentro, eu continuava do lado de fora, fingindo, para as pessoas que vez ou outra passavam, que estava loucamente interessada no mural de monitoria, afinal eu não saberia o que falar se me perguntassem o que eu ali fazia. Minhas mãos, suando frio, eu mantinha no bolso, como se quisesse esconde-las, caso precisasse cumprimentar alguém. Não demorou muito, e quando eu estava próxima a porta ouvi Paulie. " Deu tudo certo, tô saindo."

Suspirei aliviada, respondendo. "- Tudo bem po...." Mas tive que interromper a frase no meio, com um ataque excessivo e exagerado de tosse quando dei com a diretora logo a frente de meu nariz. Minha esperança era que tivesse dado tempo de Paulie escapar. "- S-senhora Vaughn..."  Abri um sorriso amarelado de forma tensa, e ela pareceu ponderar antes de me responder.

"- O que faz por aqui, senhorita Campbell?!" Ela foi direta, o que me fez estremecer toda de medo por dentro.

"- Bem...eu gostaria de conversar com a senhora..." Tentei ser o mais convincente possível, e ela pareceu não ver problema.


"- Tudo bem..." Ela indicou que eu entrasse e me acomodasse. Sorri, agradecendo pela gentileza.


A senhora baixou os óculos na mesa, e continuou a me olhar com curiosidade, e me atrevo a dizer, com um pouco de receio. 


"- Bom...eu tenho namorado o mural das monitorias faz algum tempo..." Sentia as maçãs de meu rosto ferverem de vergonha. Eu não sabia como mentir, não sabia como lidar com a situação daquelas. "- E bem...tenho enrolado para falar com a senhora, mas eu gostaria de ser monitora de Física as sextas..."


"- Está mesmo interessada na monitoria, senhorita Campbell?" Concordei de imediato com a pergunta. "Ahhhh isso é ótimo, são poucas as alunas que com excelência de inteligencia, como a sua, optam por ajudar os outros..."  A mulher abriu o mesmo sorriso orgulhoso que fizera na aula, e provavelmente suas referências se baseavam em minhas conclusões da aula de hoje. "- Creio que será se extremo proveito as outras alunas, e espero que elas reconheçam isso..." Sorri com vergonha, sempre ficava sem jeito com elogios. "- A monitoria de Física as sextas feiras é sua!" Sorri, aliviada por ela estar tão feliz que mal pensasse que ninguém ia falar sobre monitoria quase a meia noite.


"- Muito obrigada, senhora!" Agradeci, me levantando.


"- Eu é quem agradeço. Tenha uma ótima noite de sono."  Ela respondeu, me observando sair da sala.


Segui direto para o quarto, antes que por algum motivo eu estivesse sendo sortuda demais em ninguém ter percebido minha mentira. Entrei no quarto rapidamente, com o coração saltitante pela adrenalina de ter mentido. Mas assim que entrei, percebi que Tori havia voltado para o quarto...não só para o quarto, mas para cama de Paulie. As duas pareciam ter pegado no sono há não muito tempo, mas pareciam estar bem...como se realmente estivessem juntas. Não encarei muito.  Andando cuidadosamente, fui direto até minha cama, onde se quer me preocupei em trocar a calça jeans e o moletom pelo pijama. Deitei, virada para a parede, e por sorte, os fios de meu I-pod ainda estavam em baixo de meu travesseiro. Coloquei os fones na orelha, deixando a primeira música tocar. Só por garantia, era assim que eu pegava no sono.